Denise Penna Firme
para defirme
mostrar detalhes 10:33 (11 horas atrás)
Mobilização continua no Recreio. Caiu a liminar que garantia direitos na Restinga.
Como era de se esperar, a Prefeitura do Rio não mede esforços em manter a indeterminação jurídica e as medidas de exceção contra dezenas de famílias residentes ao longo do corredor Transoeste. Nesta quinta, na Vila Harmonia, prepostos da Subprefeitura da Barra, os mefíticos senhores Leandro, Alvir e Thiago, comandaram uma equipe de Guardas Municipais e peões da Secretaria Municipal de Obras em mais um ataque contra famílias desesperadas.
Na parte da manhã, partiram para cima de uma casa cujos responsáveis encontravam-se no trabalho, mas deixaram suas crianças sob os cuidados da matriarca, uma anciã de quase 90 anos. Os verdugos chegaram a dar ordens para a retroescavadeira da Odebrecht avançar contra os moradores que questionavam os métodos e os procedimentos dos ditos agentes públicos. Guarnições do 31º BPM e da 42ª DP acompanhavam ao longe e, mesmo reconhecendo a ilegalidade das ações, nada fizeram.
A comunidade foi salva pela chegada de um Oficial de Justiça que trazia a liminar conseguida junto ao Tribunal de Justiça do Rio pelos Defensores Públicos do Núcleo de Terras e Habitação. Entretanto, como a liminar era restrita a algumas famílias identificadas no pedido (feito na madrugada, na emergência dos fatos já ocorridos na Vila Recreio II na noite anterior), os beócios da Prefeitura tentaram destruir mais uma residência, igualmente com moradores em horário de trabalho e que não aceitaram as propostas ultrajantes da Secretaria Municipal de Habitação.
No final da tarde, sem conseguir grandes avanços em sua empreitada, novas ordens foram dadas aos marreteiros para atacar uma casa onde parte da família, residente no andar térreo, aceitou as condições impostas, mas as pessoas dos andares superiores rejeitaram tal humilhação. Desta feita, os marreteiros atacaram ferozmente colunas e paredes do andar térreo, o que pode ter colocado em risco toda a estrutura onde mora uma família de quase dez pessoas.
Mas o mais grave ainda não veio à tona. Na comunidade Vila Harmonia funcionam duas Casas de Santo, os terreiros de Sérgio d’Ogun, o Ile Aset’ Ogun T’ Yemonja, e o Ile Asé T’ Òsún, da Ìyálórìsà Ivânia. Tratam-se de terrenos sagrados na tradição das respectivas linhas, com trabalhos feitos há décadas e que são muito respeitados por toda a comunidade, de dentro e de fora da religião. Infelizmente, ao receberem a visita das assistentes sociais da SMH, apesar de terem sido realizadas as pixações que marcam as casas condenadas para demolição, não foi feito qualquer cadastro ou avaliação das casas. Questionadas pelos respectivos sacerdotes do porquê, as ditas assistentes simplesmente informaram que “estabelecimentos comerciais” não eram passíveis de indenização por parte da Prefeitura. Esta é a forma como os agentes supostamente públicos tratam as religiões afro-brasileiras.
Eis a faceta mais perversa do preconceito: Não basta o preconceito de classe e a “constatação” de que os pobres não tem lugar nas valorizadas glebas do Recreio dos Bandeirantes. É preciso humilhar e rebaixar ao nada toda uma história de trabalho social e religioso dos sacerdotes e suas famílias, seus seguidores, suas crenças e sua fé num futuro próspero para nossa sociedade doentia.
Uma vez mais, a pergunta que não quer calar: por onde andará os estudo de impacto ambiental do corredor Transoeste que não foi capaz de identificar a demanda por habitações para as centenas de famílias assentadas ao longo da nova rodovia? O que dirá o técnico ambiental sobre um projeto que ignora a existência de autênticas manifestações de religiosidade ancestral de parte significativa da nossa população?
Uma sociedade movida cada vez mais por fluxos financeiros, investimentos transnacionais e pela ideologia do consumismo usa da marreta e da retroescavadeira privada para destruir histórias, tradições, culturas. Graves crimes contra a Vida, contra a liberdade de culto, contra o direito à Moradia Digna estão sendo executados dia após dia pelos representantes da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Poucas são as instituições que se mobilizam pelo restabelecimento da legalidade e da paz entre as famílias atingidas por tal calamidade. Mas a luta continua e a mobilização de todos é fundamental.