domingo, 30 de janeiro de 2011

Egito em erupção A multidão contra o ditador

29/1/2011, Robert Fisk, The Independent, UK




Egypt Recap




Pode ser o fim. Com certeza é o começo do fim. Em todo o Egito, dezenas de milhares de árabes enfrentaram gás lacrimogêneo, canhões de água, granadas e tiroteio para exigir o fim da ditadura de Hosni Mubarak depois de mais de 30 anos.

Enquanto Cairo mergulha em nuvens de gás lacrimogêneo das milhares de granadas lançadas contra multidões compactas, era como se a ditadura de Mubarak realmente andasse rumo ao fim. Ninguém, dos que estávamos ontem nas ruas do Cairo, tínhamos nem ideia de por onde andaria Mubarak – que mais tarde apareceria na televisão, para demitir todos seus ministros. Nem encontrei alguém preocupado com Mubarak.

Eram dezenas de milhares, valentes, a maioria pacíficos, mas a violência chocante dos battagi – em árabe, a palavra significa literalmente “bandidos” – uniformizados sem uniforme das milícias de Mubarak, que espancaram, agrediram e feriram manifestantes, enquanto os guardas apenas assistiam e nada fizeram, foi uma desgraça. Esses homens, quase todos dependentes de drogas e ex-policiais, eram ontem a linha de frente do Estado egípcio. Os verdadeiros representantes de Hosni Mubarak.

Num certo momento, havia uma cortina de gás lacrimogêneo por cima das águas do Nilo, enquanto as milícias antitumultos e os manifestantes combatiam sobre as grandes pontes sobre o rio. Incrível. A multidão levantou-se e não mais aceitará a violência, a brutalidade, as prisões, como se essa fosse a parte que lhe coubesse na maior nação árabe do planeta. Os próprios policiais pareciam saber que estavam sendo derrotados. “E o que podemos fazer?” – perguntou-nos um dos guardas das milícias antitumulto. “Cumprimos ordens. Pensam que queremos isso? Esse país está despencando ladeira abaixo.” O governo impôs um toque de recolher noite passada. A multidão ajoelhou-se para rezar, à frente da polícia.

Como se descreve um dia que pode vir a ser página gigante da história do Egito? Os jornalistas devem abandonar as análises e apenas narrar o que aconteceu da manhã à noite, numa das cidades mais antigas do mundo. Então, aí está a história como a anotei, garatujada no meio da multidão que não se rendeu a milhares de policiais uniformizados da cabeça aos pés e e milicianos sem uniforme.

Começou na mesquita Istikama na Praça Giza: um sombrio conjunto de apartamentos de blocos de concreto, e uma fileira de policias especializados em controle de tumultos que se estendia até o Nilo. Todos sabíamos que Mohamed ElBaradei ali estaria para as orações do meio dia e, de início, parecia que não haveria muita gente. Os policiais fumavam. Se fosse o fim do reinado de Mubarak, aquele começo do fim pouco impressionava.

Mas então, logo que as últimas orações terminaram, uma multidão de fiéis apareceu na rua, andando em direção aos policiais. “Mubarak, Mubarak”, gritavam, “a Arábia Saudita o espera”. Foi quando os canhões de água foram virados na direção da multidão – a polícia estava organizada para atacar os manifestantes, mesmo não sendo atacada. A água atingiu a multidão e em seguida os canhões foram apontados diretamente contra ElBaradei, que retrocedeu, encharcado.

ElBaradei desembarcara de Viena poucas horas antes, e poucos egípcios creem que chegue a governar o Egito – diz que só veio para ajudar como negociador –, mas foi atacado com brutalidade, uma desgraça. O político egípcio mais conhecido e respeitado, Prêmio Nobel, trabalhou como principal inspetor da Agência Nuclear da ONU, ali, encharcado como gato de rua. Creio que, para Mubarak, ElBaradei não passaria de mais um criador de confusão, com sua “agenda oculta” – essa, precisamente, é a linguagem que o governo egípcio fala hoje.

Aí, começaram as granadas de gás lacrimogêneo. Alguns milhares delas, mas algo aconteceu, enquanto eu caminhava ao lado dos lança-granadas. Dos blocos de apartamentos e das ruas à volta, de todas as ruas e ruelas, centenas, depois de milhares de pessoas começaram a aparecer, todas andando em direção à Praça Tahrir. Era o movimento que a polícia queria impedir. Milhares de cidadãos em manifestação no coração da cidade do Cairo daria a impressão de que o governo já caíra. Já haviam cortado a internet – o que isolou o Egito, do resto do mundo – e todos os sinais de telefonia celular estavam mudos. Não fez diferença.

“Queremos o fim do regime”, gritavam as ruas. Talvez não tenha sido o mais memorável brado revolucionário, mas gritaram e gritaram e repetiram, até derrotar a chuva de granadas de gás lacrimogêneo. Vinham de todos os lados da cidade do Cairo, chegavam sem parar, jovens de classe média de Gazira, os pobres das favelas de Beaulak al-Daqrour, todos marchando pelas pontes sobre o Nilo, como um exército. Acho que sim, são um exército.

A chuva de granadas de gás continuava sobre eles. Tossiam e esfregavam os olhos e continuavam andando. Muitos cobriram a cabeça e a boca com casacos e camisetas, passando em fila pela frente de uma loja de sucos, onde o dono esguichava limonada diretamente na boca dos passantes. Suco de limão – antídoto contra os efeitos do gás lacrimogêneo – escorria pela calçada e descia pelo esgoto.

Foi no Cairo, claro, mas protestos idênticos aconteceram por todo o Egito, como em Suez, onde já há 13 egípcios mortos.

As manifestações não começaram só nas mesquitas, mas também nas igrejas coptas. “Sou cristão, mas antes sou egípcio” – disse-me um homem, Mina. “Quero que Mubarak se vá!” E foi quando apareceram os primeiros bataggi sem uniforme, abrindo caminho até a frente das fileiras da polícia uniformizada, para atacar os manifestantes. Estavam armados com cassetetes de metal – onde conseguiram? – e barras de ferro, e poderão ser julgados e condenados por agressão grave e assassinato, se o regime de Mubarak cair. São pervertidos. Vi um homem chicotear um jovem pelas costas, com um longo cabo amarelo. O rapaz gritou de dor. Por toda a cidade, os policiais uniformizados andam em pelotões, o sol refletindo no visor dos capacetes. A multidão já deveria ter sido intimidada, àquela altura, mas a polícia parecia feia, como pássaros encapuzados. E os manifestantes alcançaram a calçada da margem leste do Nilo.

Alguns turistas foram colhidos de surpresa no meio do espetáculo – vi três senhoras de meia idade, numa das pontes do Nilo (os hotéis, claro, não informaram os hóspedes sobre o que estava acontecendo –, mas a polícia decidiu que fecharia a extremidade leste do viaduto. Dividiram-se outra vez, para deixar passar as milícias não uniformizadas, e esses brutamontes atacaram a primeira fileira dos manifestantes. E foi quando choveu a maior quantidade de granadas de gás, centenas de granadas, em vários pontos, contra a multidão que andava sem parar por todas as grandes vias, em direção cidade. Os olhos ardem, e tosse-se horrivelmente, até perder o fôlego. Alguns homens vomitavam nas soleiras das portas fechadas das lojas.

O fogo começou, ao que se sabe, noite passada, na sede do NDP, Partido Democrático Nacional, partido de Mubarak. O governo impôs um toque de recolher, e há relatos de tropas na cidade, sinal grave de que a polícia pode ter perdido o controle dos acontecimentos. Nos abrigamos no velho Café Riche, perto da Praça Telaat Harb, restaurante e bar minúsculo, com garçons vestidos de azul; e ali, tomando café, estava o grande escritor egípcio Ibrahim Abdul Meguid, bem ali à nossa frente. Foi como dar de cara com Tolstoi, almoçando em plena revolução russa. “Mubarak está sem reação!” – festejou ele. “É como se nada estivesse acontecendo. Mas vai, agora vai. O povo fará acontecer!” Sentamos, ainda tossindo e chorando por causa do gás. Foi desses instantes memoráveis, que acontecem mais em filmes que na vida real.

E havia um velho na calçada, cobrindo os olhos com a mão. Coronel da reserva Weaam Salim do exército do Egito, que saiu para a rua com todas as suas medalhas da guerra de 1967 contra Israel – que o Egito perdeu – e da guerra de 1973 que, para o coronel, o Egito venceu. “Estou deixando o piquete dos soldados veteranos” – disse-me ele. “Vou-me juntar aos manifestantes”. E o exército? Não se viram soldados do exército durante todo o dia. Os coronéis e brigadeiros mantêm-se em silêncio. Estarão à espera da lei marcial de Mubarak?

As multidões não obedeceram ao toque de recolher. Em Suez, caminhões da polícia foram incendiados. Bem à frente do meu hotel, tentaram jogar no rio Nilo um caminhão da Polícia. Não consegui voltar à parte ocidental do Cairo pelas pontes. As granadas de gás ainda empesteiam as margens do Nilo. Mas um policial ficou com pena de nós – emoção absolutamente inexistente, devo dizer, ontem, entre os policiais – e nos guiou até a margem do rio. E ali estava uma velha lancha egípcia a motor, de levar turistas, com flores plásticas e proprietário disponível. Voltamos em grande estilo, bebendo Pepsi. Cruzamos com uma lancha amarela, super rápida, da qual dois homens faziam sinais de vitória para a multidão sobre as pontes. Uma jovem, sentada na parte de trás da lancha, carregava uma imensa bandeira: a bandeira do Egito.
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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Declaração do advogado Luis Roberto Barroso sobre a manutenção da prisão de Cesare Battisti

Fri, 01/07/2011 - 18:11 | by cesare_livre

A defesa de Cesare Battisti não tem interesse em discutir a decisão do Ministro Peluso pela imprensa mas, como é próprio, irá fazê-lo nos autos do processo, com o respeito devido e merecido. A manifestação do eminente Ministro Peluso, no entanto, viola a decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, o princípio da separação de poderes e o Estado democrático de direito.

O Excelentíssimo Senhor Presidente do STF votou vencido no tocante à competência do Presidente da República na matéria. Ainda uma vez, com o respeito devido e merecido, não pode, legitimamente, transformar sua posição pessoal em posição do Tribunal. Como qualquer observador poderá constatar da leitura dos votos, quatro Ministros do STF (Ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres, Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia) entenderam que o Presidente da República poderia decidir livremente. O quinto, Ministro Eros Grau, entendeu que, se o Presidente decidisse com base no art. 3, I, f, do Tratado, tal decisão não seria passível de revisão pelo Supremo. O Presidente da República fez exatamente o que lhe autorizou o Supremo Tribunal Federal, fundando-se em tal dispositivo e nas razões adiantadas pelo Ministro Grau.

A manifestação do Presidente do Supremo, sempre com o devido e merecido respeito (afirmação que é sincera e não meramente protocolar), constitui uma espécie de golpe de Estado, disfunção da qual o país acreditava já ter se libertado. Não está em jogo o acerto ou desacerto político da decisão do Presidente da República, mas sua competência para praticá-la. Trata-se de ato de soberania, praticado pela autoridade constitucionalmente competente, que está sendo descumprido e, pior que tudo, diante de manifestações em tom impróprio e ofensivo da República italiana. De mais a mais, as declarações das autoridades italianas após a decisão do Presidente Lula, as passeatas e as sugestões publicadas na imprensa de que Cesare Battisti deveria ser seqüestrado no Brasil e levado à força para a Itália, apenas confirmam o acerto da decisão presidencial. Em uma democracia, deve-se respeitar as decisões judiciais e presidenciais, mesmo quando não se concorde com elas.

Luís Roberto Barroso – escritório Luís Roberto Barroso & Associados

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Sou anti-anti-Battisti.

texto de Bruno Cava

Todo crime é político. Em maior ou menor grau, a criminalização de uma conduta depende de escolhas políticas. No Brasil, não configura mais crime o adultério. Nem de incesto. No Irã, a mulher que trai o marido pode ser condenada ao apedrejamento. Na Suécia, transar sem camisinha em certos casos pode ser crime. No Vaticano, obviamente, não é assim. Mesmo delitos mais universais, como o assassinato, embutem uma política criminal. Em alguns lugares, o homicídio pune-se com a morte. Noutros, pode ser justificado pela defesa da honra. As condições agravantes e atenuantes divergem. A premeditação, nos EUA, agrava. Já no Brasil, é indiferente. Em todos os casos, direito e política penais se incidem mutuamente, de modo que a distinção entre "preso político" e "preso comum" acaba sendo de grau, e não de natureza. Não existe detento 100% apolítico.

No apagar das luzes do mandato, o presidente Lula se recusou a entregar Cesare Battisti a Silvio Berlusconi, negando o pedido de extradição feito pela Itália. Seguindo os termos do tratado entre os dois países, a decisão de Lula fundamentou-se na nítida conotação política do caso. Em outras palavras, entendeu o presidente que, se Battisti fosse extraditado, receberia do estado italiano um tratamento tendencioso, desproporcional, injusto.

Na decisão, a presidência ratificou o parecer técnico da Advocacia-Geral da União: "situações particulares ao indivíduo [Battisti] podem gerar riscos, a despeito do caráter democrático de ambos os Estados". Lula também acolheu as opiniões de juristas do quilate de Dalmo Dallari, Bandeira de Mello, José Afonso, Nilo Batista e Paulo Bonavides, que assinaram juntos uma carta aberta. Outro manifesto pró-refúgio, por juristas baseados no Rio Janeiro, já havia sido publicado em outubro de 2009.

Na turbulenta Itália dos anos 1970, Battisti atuou como militante de esquerda. Participava do coletivo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um dos muitos grupúsculos vermelhos da época, engajado na luta armada. Ao longo dos anos setenta, dezenas de milhares de pessoas foram presas. Houve repressão sistemática dos governos italianos a organizações de esquerda, tachadas de "terroristas". Houve aplicação de leis de exceção, julgamentos sumários e financiamento de "comandos" paramilitares. Muita gente foi presa ou morta de roldão, sob suspeitas genéricas, tais como "mentor moral" de ações subversivas ou "associação" à militância armada.

Nesse contexto de convulsão social, e tendo como objetivo a derrubada do regime, os PAC se envolveram diretamente em furtos de carros, armas e bancos, propaganda "subversiva" e quatro mortes: um policial, um agente penitenciário e dois partidários da extrema-direita, que haviam matado militantes do outro lado.

Em 1979, o grupo foi desmantelado. Quatro de seus integrantes, mas não Cesare, foram condenados por um dos assassinatos citados. Sem conexão com os homicídios, Battisti foi acusado e condenado a doze anos de prisão pelo delito de associação ("participação em organização subversiva e em ações subversivas"), mas inocentado de qualquer homicídio. Cumpriu pena numa cadeia para presos políticos não-violentos, entre 1979 e 1981, ano em que conseguiu fugir.

Foi para o México e depois à França. Esta reconheceu seu status de asilado político e ele lá viveu tranqüilamente por 14 anos. A Itália requereu a extradição em 1991, mas o governo francês negou-a, sem maiores traumas. No entanto, uma vez empossado o presidente francês de centro-direita, Jacques Chirac, e dentro já do discurso de "caça aos terroristas" de Berlusconi, em 2003 a Itália solicitou novamente a extradição. O governo francês desta vez resolveu deferi-la, mas Cesare escapou para o Brasil.

Nesse ínterim, em 1982, um dos setenciados dos PAC por homicídio, Pietro Mutti decidiu"arrepender-se". Para se dar bem com a delação premiada, jogou a culpa pelos quatro assassinatos nas costas do exilado Battisti. Apesar das versões conflitantes, os demais presos dos PAC confirmaram o alcagüete Mutti contra Cesare. Como dois homicídios tinham sido praticados ao mesmo tempo em lugares diferentes, explicaram que ele teria sido o "autor intelectual" de um e material do outro. Ou seja, na narrativa dos dedos-duros, de imberbe novato de 20 anos, Cesare se tornara o cérebro comandante da organização.

Como conseqüência, o processo do refugiado foi reaberto, agora como único acusado. Ausente, sem advogado constituído por ele, sem defesa minimanente eficaz, surgiu o bode expiatório. Num julgamento transformado em espetáculo, Cesare Battisti foi condenado à prisão perpétua, como único autor de todos os assassinatos políticos dos PAC.

Em 2007, Cesare Battisti foi preso no Brasil, com apoio logístico do ministro do interior francês Nicolau Sarkozy. Naquele ano, o político faria amplo uso eleitoral do fato e terminaria eleito presidente. Reconhecendo a perseguição motivada politicamente, o ministro da justiça Tarso Genro lhe concede o status de refugiado político em janeiro de 2009. Seguia o mesmo raciocínio aplicado a outros militantes italianos do período, refugiados no Brasil.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, em duvidosa interpretação jurídica, cassou a decisão do MJ. E, em apertada votação, declarou que Battisti é passível de extradição, reservando a competência pela decisão ao chefe de estado brasileiro. Por sua vez, Lula, provavelmente não querendo abrir a guarda para a grande imprensa em ano eleitoral, decidiu somente no último dia do mandato.

A bem da verdade, o presidente Lula teve o singelo mérito de não contornar o óbvio. O caso de Cesare Battisti é político. Acintosamente. Não há como considerá-lo "criminoso comum". De todos os ângulos imagináveis.

Não é questão simplesmente de ser pró-Battisti. Em situação análoga à prisão (política!) de Julian Assange do Wikileaks, o caso não é ser pró-Battisti, mas anti-anti-Battisti.

A quem interessa a extradição?

Em primeiro lugar, ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Quem acha a grande imprensa daqui conservadora, oligopólica e racista, não conhece a italiana. Dono de boa parte dos jornais, rádios e TV da Itália, Berlusca encabeça um governo corrupto e às raias do fascismo. O intelectual italiano Antônio Negri compara-o à pusilânime República de Saló (1943-45), --- assunto de famoso filme de Pier Paolo Pasolini. Pródigo em discriminar imigrantes e baixar o porrete em descontentes, a permanência do premiê no poder foi o estopim centelhou a seqüência de protestos do "dezembro quente".

Decidida a não-extradição em 31 de dezembro, Berlusconi inaugurou uma campanha jactante, atacando o governo brasileiro e a pessoa do presidente. Afinal, intimidar sempre foi a especialidade do fascismo. Com ainda mais motivo tratando-se de países terceiromundistas. Mas suas estridências somente comprovam o caráter político da perseguição à Battisti. Tornou-se um cavalo de batalha do governo italiano porque era militante de esquerda, e não por supostamente ter praticado crimes.

Cito o Blog do Miro:

"Um caso emblemático envolve Delfo Zorzi, 62 anos, ex-líder da seita neofascista Ordine Nuovo, que promoveu, nos anos 60 e 70, inúmeros atentados à bomba. Zorzi foi condenado em primeiro grau, e depois absolvido, pelo atentado da Piazza Fontana, em Milão, em 1969, que resultou em 17 mortos e 84 feridos. Atualmente, está sendo processado pelo atentado em Brescia, em 1974, contra uma manifestação sindical antifascista, que causou oito mortes e mais de 90 feridos. Zorzi vive há anos no Japão, onde se naturalizou e tornou-se um rico empresário do setor têxtil. O pedido de extradição feito ao Japão jamais foi atendido, nem o governo italiano fez muito para isso. Vários ex-integrantes do Ordine Nuovo são hoje militantes da AN (partido herdeiro do neofascista do Movimento Sociale Italiano – MSI) e da ‘Lega Nord’, um partido xenófobo. NA e Lega são aliados de Berlusconi e integram seu governo."

Vale também recordar o caso de Nicola Calipari. Agente do serviço secreto italiano, morreu em 2005, em serviço no Iraque. Confundido com um carro-bomba pelas tropas dos Estados Unidos, seu veículo recebeu mais de 400 tiros numa barreira. Em vez de determinar uma investigação com a seriedade pertinente, Berlusconi propôs ao embaixador americano "ultrapassarmos rapidamente o incidente" [meu grifo], como demonstrou informação vazada pelo Wikileaks.

A grande imprensa brasileira é a outra interessada com a remessa de Battisti a Berlusconi. Não à toa, apressou-se em colar em Cesare a pecha de "terrorista". Contraditoriamente, chama-o também de "criminoso comum". Deu como inquestionável a condenação do militante no processo viciado da justiça italiana. Fechou os olhos para a violação de garantias fundamentais e do devido processo legal substantivo, no julgamento espetacular de Cesare. Tapou o sol com a peneira, ao não explicar a situação histórica da Itália dos anos 1970, quando vigia praticamente uma guerra civil. Não deu espaço equivalente para os fortes argumentos da defesa de Battisti.

Tentou, com todos os artifícios de seu péssimo jornalismo, desgastar o governo Lula. Com diuturnos editoriais e notícias enviesadas, concitou os seus próceres no STF (sobremaneira o ministro Gilmar Mendes) a desautorizar o ministro da justiça e o presidente. Manobrou eleitoralmente para associar o ex-guerrilheiro Cesare à ex-guerrilheira Dilma, como "criminosos comuns". Só noticiou os protestos de simpatizantes de Berlusconi em Piazza Navona, mas não as manifestações européias de apoio a Lula.

Em suma, como é praxe: a grande imprensa brasileira, --- sobretudo as Organizações Globo e a Folha de São Paulo (esta chegou a forjar vítimas inexistentes), --- procurou fazer do quadrado redondo, em mais um desserviço à democracia brasileira.
O fato é que, hoje, a década de 1970 está no núcleo das lutas pela memória brasileira e italiana.

De um lado, o governo de Berlusconi busca reforçar a mitologia nacionalista que o sustenta, ao redor da bandeira antiterrorista. Outra farsa, em que a imolação de Battisti reafirmaria o triunfo do consenso autoritário que vem desde os anos setenta, entre uma direita fascistóide e a esquerda velha.

Por outro lado, a grande imprensa brasileira se assusta diante dos fantasmas, que, quarenta anos depois, insistem em levantar-se de tumbas anônimas. Simbolicamente, condenar Battisti significa mais uma vez inocentar a participação dessa mídia na ditadura brasileira. É ela, sub-repticiamente, que está começando a ser julgada. Daí a virulência de noticiários e colunas opinativas. Lançar a cortina de fumaça sobre o caso Battisti é também camuflar a si mesmo, exilando a verdade em algum futuro distante.

Tuíter: @brunocava

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Fora Borer! Abaixo a ditadura!

O Brasil estava sob a ditadura militar e o presidente do Botafogo, entre 1976 e 1981, Charles Borer, apoiava aquele regime. Em 1977, o Botafogo perdeu sua sede em General Severiano, tomada pela então forte estatal militar Vale do Rio Doce. Às custas de sua sede histórica, tendo sido o único clube brasileiro a quitar suas dívidas previdenciárias, o Botafogo, paradoxalmente, tem hoje um enorme débito com a Previdência Social.

Abandonada, nossa até então famosa divisão de base não estava revelando ninguém. O time principal andava mal e amargávamos mais de uma década sem um título. A cada derrota, a torcida, liderada por Russão, encostava nas grades da cadeira especial e puxava dois gritos: “fora Borer!” e “êêêê, sou Botafogo, estou cansado de sofrer”.

Nesta época, eu participava de duas lutas: pela liberdade do Botafogo e pela liberdade do Brasil. Minha família ansiava pela volta de tia Verinha, banida do país, que havia saído daqui em cadeira de rodas, de tanto que sofreu no pau-de-arara e outras terríveis torturas.

Minha avó, que também havia sido presa pela ditadura, queria me presentear com uma bateria. Porém, além de meu negócio não ser exatamente rock, e sim, samba, meu pai não permitiria a entrada daquela “barulheira” em nosso apartamento. Com os instrumentos da bateria de samba doados por minha avó, com apenas 13 anos, decidi fundar uma torcida organizada. Assim surgia a FOGO LIVRE, nome que caracterizava tanto a luta pela liberdade do Botafogo e quanto do Brasil. Com apenas 10 componentes, eu era o presidente dessa “imensa” organizada.

Mas o controle no clube era tamanho que, para se fundar uma torcida, era necessário solicitar permissão à diretoria de Charles Borer, através da ASTOB - Associação das Torcidas Organizadas do Botafogo -, presidida por Pedro Memória, um cara simpático, mas que não tinha qualquer vínculo com as organizadas. Acho que não entenderam a crítica presente no nome, daí a torcida ter sido autorizada.

Começamos, então, um movimento da torcida contra Borer. Pichávamos o muro do clube e saíamos correndo, com as mãos cheias de fichas, direto para um orelhão, de onde ligávamos para vários jornais, e o primeiro deles era sempre o `Jornal dos Sports`. Por essas ações, combinadas aos gritos nas arquibancadas, a torcida do Botafogo mobilizava a cidade em sua luta pela liberdade. Borer começou a se movimentar e criou os chamados “boreméritos”, conselheiros beneméritos biônicos e vitalícios, nomeados por ele, a fim de obter maioria no Consellho Deliberativo e se perpetuar na presidência.

João Saldanha, um verdadeiro Benemérito, era contra Borer. A cada vez que a bandeira do fogão estava hasteada a meio pau, ele comemorava dizendo que aquilo deveria ser sinal da morte de algum conselheiro daquela ditadura no Botafogo.

Foi daí que nasceu o movimento pelo impeachment de Charles Borer. Precisávamos de 200 assinaturas de sócios para pedir sua desitituição. Colocamos várias mesas de assinatura pela cidade, nas ruas Miguel Lemos, General Severiano, Sete de Setembro, dentre outras, e conseguimos coletar um número bem superior ao necessário, além de milhares de assinaturas de apoio dos torcedores. Conseguimos entrar com o pedido e, apesar do Conselho, dominado pelos “boreméritos”, não haver aprovado o impeachament, saímos mais fortes daquela luta.

Surgiu então o movimento BFR – Botafogo Força e Renovação -, cuja chapa disputou e venceu as eleições em 1981, levando à presidência Juca Mello Machado. Até hoje, não entendo a razão de terem lançado alguém pouco conhecido, ao invés do advogado Luiz Fernando Maia, candidato natural a presidente do movimento. São curiosas as semelhanças entre a história do Botafogo e a do Brasil, tanto durante a ditadura quanto na abertura, pois o país foi dormir com Tancredo e acordou com Sarney na presidência da República.

De fato, a relação da história do Botafogo com a do Brasil é mais que umbilical. Nosso jejum começou exatamente quando entramos no pior período da ditadura militar, em 1969, já que o último título havia sido no ano anterior.

Assim como o país sofreu durante vinte anos uma ditadura militar, o Botafogo sofreu vinte anos sem um título. Em 1989, enquanto os brasileiros começavam a viver os ares da democracia, pois elegeriam um Presidente da República por voto direto, na memorável noite de 21 de junho, solstício de inverno, após duas décadas de jejum, o grito de liberdade dos botafoguenses ecoava por todo Rio de Janeiro e Brasil: É CAMPEÃO!
ANDRÉ BARROS

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

NÚCLEO BIOLUTAS DO PARTIDOS DOS TRABALHADORES

O objetivo do núcleo é atuar propositivamente e fomentar o debate dentro do Partido dos Trabalhadores nas lutas da cidade do Rio de Janeiro, que afetam diretamente a vida e a existência da população, como: erradicação da miséria, plano diretor democrático, função social da cidade e da propriedade, direito à moradia digna, gestão comum do território contra as remoções arbitrárias, Sistema Único de Saúde, banda larga para todos universal e gratuita garantida pelo Estado, contribuir para a formulação de estratégias de gestão democrática de território/população e direitos dos usuários de drogas.

Como militantes do comum, nosso programa é a expressão das demandas das lutas da cidade. Topografar e intervir nas formas de dominação, exploração e submissão das relações de poder sobre vidas e territórios da nossa cidade maravilhosa.

É sobre o corpo que se abate o poder punitivo de um estado de herança monarquista e escravocrata. Banalizado na cidade onde mais jovens, negros e pobres morrem em razão de arma de fogo no mundo. É o amor pela vida que deve orientar as políticas públicas.

O PT deve abrir seus olhos para as novas relações de poder nas cidades, para o trabalho informal e para o atual regime de acumulação de capital, onde a mais valia é extraída de toda produção social.

O NÚCLEO DE BIOLUTAS vai viver em nosso partido as lutas da cidade e faz um convite a todos que quiserem se filiar.

ANDRÉ BARROS, ADVOGADO, PT, Universidade Nômade
WALLACE HERMANN JR, PT e Universidade Nômade
GIUSEPPE COCCO, professor da UFRJ e Universidade Nômade
BRUNO CAVA, engenheiro, bacharele em direito e universidade Nômade
MARTA PERES, FILIADA AO PT, professora da UFRJ
PEPE BERTARELLI,Arquiteto - Urbanista, Universidade Nômade
ANA LÚCIA MAGALHÂES BARROS, PT, psicanalista e universidade nômade
CARLOS FRAZÃO, PT, motorista
ZILDA FERREIRA, PT, jornalista e blogueira
BARBARA SZANIECKI, Universidade Nômade
IVANA BENTES, professora da UFRJ e Universidade Nômade
PAULO SAAD, PT e arquiteto urbanista
OSMAR BARBOZA, PT e administrador
FELIPE GARCEZ (PATO), PT e vice da UEE da Baixada Fluminense
TATIANA ROQUE, professora da UFRJ e Universidade Nômade
JEAN TIBLE, PT e Mestre em Relações Internacionais
PEDRO MENDES, PT, Cientista Social e Universidade Nômade
VANESSA SANTOS DO CANTO
DANTON DORNELLAS, PT e estudante
LIMA, PT e CUT
JEAN TIBLE, PT
Henrique Antoun, PT e professor

Adv.André Barros