Um banqueiro foragido do jogo do bicho foi preso perto de uma delegacia, em Copacabana, à luz do dia. O jogo do bicho é uma contravenção, chamada de "pequeno crime", prevista no artigo 58 do Decreto-Lei 3688, de 3 de outubro de 1941: "Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração: Pena – prisão simples, de quatro meses a um ano, e multa, de dois a vinte contos de réis.”
Surge logo a ideia de criminalizar. O senso comum defende penas mais altas e prisões, as mesmas ilusões de sempre! Ora, examinemos a questão: primeiro, o fato de criminalizar não significa que haverá uma redução daquela conduta. A realidade, inclusive, demonstra o contrário. Quanto mais se criminaliza uma conduta e se aumentam as penas, mais cresce a criminalidade. Em relação ao jogo do bicho, o desastre seria total para a cidade, pois, tornando crime a contravenção, esta guerra ficaria ainda mais violenta. E, no mais, onde seriam presos os banqueiros, apontadores e apostadores, já que os infernos dos presídios já estão superlotados?
E o que dizer do absurdo discurso de que essa é a única solução, já que o jogo do bicho tem conexões com homicídios, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro? Esse busca nos convencer que um sistema penal, que raríssimas vezes denunciou um banqueiro de bicho por homicídio, tráfico e lavagem de dinheiro, agora, vai aumentar a pena para colocá-los na cadeia? Como a contravenção é considerada um pequeno delito, querem localizar aí o centro da questão e passar a considerar a conduta um crime.
Essa conversa não cola mais, pois a rede do capitalismo institucional e mafioso, assim como seus meios de propaganda, a mídia - jornais, revistas, tvs e rádios - não têm interesse na legalização. No samba do capitalismo ninguém sabe o que LIGA o público e o privado, o legal e o ilegal. Em 1982, essa LIGA foi cantada em “Super Escolas de Samba S/A” pelo meu Império Serrano no "Bumbum-baticumbum-prugurundum", e no “samba sambou”, do meu amigo Helinho 107 da São Clemente, em 1990, porque ficou “fantástico e virou hollywood isso aqui”.
O jogo do bicho nasceu no Rio de Janeiro e virou paixão nacional. Um jogo dos pobres, dificílimo e com muita matemática. Os apostadores confiam na banca, porque “vale o que tá escrito”. Esta honestidade folclórica é sustentada por milhões de apostadores. Saber os números do jogo faz parte do dia-a-dia do carioca nas milhares de bancas de apontadores, que dão vida às ruas da cidade. Queremos jogar em paz a brincadeira que inventamos.
Essa ilegalidade é vergonhosa, pois o jogo come solto, à plena luz do dia, no nariz das autoridades, nas esquinas das delegacias, em frente a prédios públicos e residências de altos figurões. Quando pensamos que essa cretinice iria acabar com a legalidade do jogo do bicho, voltam com o velho discurso da criminalização para continuarem acumulando sem pagar impostos e direitos trabalhistas e previdenciários aos trabalhadores do jogo do bicho, que são seus apontadores.
A ilegalidade faz com que toda a movimentação financeira seja feita por pessoas armadas, que passam várias vezes ao dia pegando o dinheiro das apostas. A ilegalidade financia todas as caixinhas da corrupção do sistema penal, até a lavagem do capital com compras de imóveis e aplicação no sistema financeiro nacional e internacional. Ninguém cai mais nesta: a legalidade é o único remédio para acabar com toda essa cara de pau.
ANDRÉ BARROS, advogado e mestre em ciências penais
12/01/2012