domingo, 19 de setembro de 2010

A Favela do Metrô luta contra remoção

A Favela do Metrô luta contra remoção

Noite de 31 de agosto. Uma noite de terça-feira. Diversos moradores da comunidade do Metrô se preparam para uma assembléia. Caso não fosse pelos motivos adversos que fizeram estas pessoas se encontrarem, seria uma reunião como qualquer outra. Mas desta vez havia algo diferente no ar. Não era apenas pela quantidade de pessoas presentes, que ultrapassaria facilmente 500 participantes, nem pelo número de pessoas e representantes de outras comunidades e movimentos sociais vindas de fora. O motivo de toda aquela organização e de toda aquela mobilização era a ameaça de remoção da Favela do Metrô, que se localiza próximo à Uerj, o estádio do Maracanã e a comunidade da Mangueira. Há algum tempo, na cidade do Rio de Janeiro, vem se formatando, novamente, uma política de remoção de favelas, prática que se achava enterrada junto com Carlos Lacerda.
Especialmente no atual governo municipal, a palavra remoção está sendo mobilizada, buscando-se relegitimá-la e reincorporá-la às práticas institucionais. O que se achava terminado, retorna como um fantasma. Um fantasma que aterroriza e amedronta milhares de pessoas. Diversos exemplos desta política se sucedem atualmente no Rio de Janeiro e não param de surgir, por diversos motivos, seja pela alegação de área de risco, seja pelas grandes obras previstas para os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, supostamente respeitando o "interesse público". A Favela do Metrô é mais um desses casos, apesar de não recente. Como as obras para a Copa do Mundo se encontram atrasadas, e muitas críticas internacionais foram feitas em relação a isto, a prefeitura foi obrigada a responder. Em uma destas respostas, no ínicio deste ano, foi apresentado o projeto de revitalização do Complexo do Maracanã, bem como a urbanização do Morro da Mangueira, com uma mega intervenção que envolveria até teleféricos. Mas, quase em uma nota de rodapé, reafirmou-se (pois desde o ano passado a secretaria de habitação havia comunicado que o faria) a necessidade de remoção da Favela do Metrô.
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Passou-se um tempo, e meses depois surgiram diversos funcionários da prefeitura na localidade, que avisariam aos moradores que eles seriam obrigados a sair, justificando que moravam em uma área de risco, já que a comunidade se localiza ao lado da linha do trem. Entretanto, de acordo com os próprios moradores e informações que circularam nos grandes meios de comunicação, há o interesse na área por conta da Copa do Mundo (já que se fica muito perto do estádio do Maracanã). A prefeitura planeja uma grande intervenção urbanística na região, para prepará-la para a Copa do Mundo de 2014.
Uma dessas intervenções será a remoção completa da Favela do Metrô para ali ser construído um estacionamento. Segundo informações, esta ação é uma das exigências do acordo feito com a Fifa (através de um caderno de encargos), que obriga os poderes públicos das cidades-sede a realizarem uma série de obras. Desde o anúncio do despejo, a rotina local foi quebrada e um verdadeiro estado de terrorismo se instalou. A partir disso, diversos moradores recorreram ao Conselho Popular, movimento social que vem organizando as comunidades ameaçadas de remoção no Rio de Janeiro. Decidiu-se, em uma reunião, que seria realizado uma assembléia na comunidade do Metrô para discutir a situação, apresentar experiências similares de outras comunidades e também apontar para a construção de uma luta conjunta contra as remoções postas em prática pelo poder público.
O encontro se realizou numa grande área que existe no interior da comunidade. Diquinho, do Conselho Popular, inicia a assembléia. Em seguida, diversos representantes de outras comunidades, bem como da própria Favela do Metrô, fizeram relatos acerca daquela situação e também do que vem ocorrendo no Rio de Janeiro. Eraldo, presidente da associação de moradores da comunidade Vila das Torres, em Madureira, aponta que há funcionários da prefeitura que têm feito um trabalho diário de convencimento, às vezes se utilizando de recursos humilhantes. Eraldo ressalta que quando descobriu o Núcleo de Terras da Defensoria e o Conselho Popular descobriria que não era necessário sair, pelo contrário, que tinha direitos. Alerta os moradores de que se ninguém assinar os documentos propostos pela prefeitura, esta não pode tirar ninguém.
Severino, da Pastoral de Favelas, afirma que se quer fazer no Rio de Janeiro uma limpeza social. Aponta que foram os moradores que construíram suas moradias e que estas, bem como o local em que estão, constituíram-se em um direito garantido. Sugere aos moradores presentes, assim como Eraldo, que se avise aos representantes da prefeitura, que talvez possam ir à comunidade, que não vão aceitar documento algum, principalmente se este se refirir ao seu despejo e que vai encaminhar as ameaças para a defensoria pública.
Rosivaldo, um morador local, aponta que não quer ir para o local que a prefeitura está indicando (no caso, um conjunto habitacional no bairro de Cosmos, na Zona Oeste). Assim como Severino, argumenta que a atual administração da cidade quer fazer uma limpeza social e levar as pessoas para longe. Afirma que as pessoas estão aterrorizadas. Além disso, aponta que muitos achavam, mesmo considerando a possibilidade de sair, que ganhariam a "casa pela casa", isto é, sem ter qualquer novo custo, mas que posteriormente descobriu-se que as pessoas que fossem para esses apartamentos teriam que pagar mensalidades durante 10 anos. Rosivaldo questiona ainda o fato de o prefeito forçá-los a comprar uma casa, sem possibilidade de escolha. Ressalta que é preciso lutar, pois "o direito é de todos nós" e que a prefeitura não está agindo de com acordo com as leis.
Já Ratinho, outro morador e comerciante local, aponta que mora há muito tempo na comunidade e que desde que foi para lá construiu um pequeno negócio, chegando a empregar neste período em torno de 23 pessoas, com carteira assinada. Relata uma série de arbitrariedades cometidas pelo poder público, principalmente de ameaças de cortes de serviços públicos. Acredita que isso ocorre para pressionar os moradores a sair.
Foi ressaltado que a lei orgânica do Rio de Janeiro informa que não é mais possível haver remoção na cidade e que, quando esta for inevitável, deverá ser feito um reassentamento das famílias próximo ao local atual de moradia delas. Nestor, morador do Morro dos Prazeres, falando sobre esta lei e sobre a luta atual, afirma que "nossos avós não perderam para Sandra Cavalcanti e Negrão de Lima, então não vamos perder para o Paes".
Apontou-se também a necessidade de se fazer ações que interrompam as práticas ilegais da prefeitura. Sugeriu-se, por exemplo, que as marcações das casas feitas pela prefeitura fossem apagadas, para dificultar a sua ação: "morador que quer ficar tem que apagar a marca nazista", afirmou Marcelo, morador da comunidade Ladeira dos Tabajaras, em Botafogo. Marcelo ainda afirmaria que, após essa atitude "os moradores precisam se juntar à luta. A união, a resistência e a luta é a grande arma do povo".
Abordou-se a questão dos "laudos de interdição genéricos", impostos aos moradores. O engenheiro Maurício Campos apontou que são todos iguais, assim como foi feito em outras comunidades. Os representantes da prefeitura não fizeram o auto de interdição indo de casa em casa, mas o distribuíam indiscriminadamente, sempre constrangendo as pessoas a assinarem. Afirma que esta prática pode ser lida de duas formas: "A má noticia é que isso dá direito a prefeitura a desocupar e inclusive demolir o imovel. A boa notícia é que esse auto de interdição da maneira que foi lavrada é ilegal". Diante da segunda afirmativa, ressalta: "Então, se chegar alguém da prefeitura argumentando que está com o laudo de interdição na mão assinado pelo morador e que este tem que sair, não é para permitir. As pessoas têm que se unir e falar o seguinte: 'é ilegal. Isso é ilegal e nós vamos correr atrás para mostrar a ilegalidade`".
O engenheiro ainda ressaltou o fato de que, caso os técnicos da prefeitura pressionem os moradores da comunidade, que estes devem mobilizar-se e convocar a Defensoria Pública e o Conselho Popular, citando como exemplo o que ocorreu em 2007 na comunidade Canal do Anil: "E se começarem a forçar, tem que acionar a defensoria, a gente vem aqui, o Conselho Popular também. Foi dessa maneira que lá no Canal do Anil, em 2007, se impediu a demolição da comunidade. Quando começou a se chegar lá a demolição foi todo mundo mobilizado, foram para frente da casa, chamaram impresa".
Foi discutido com os moradores ainda o seu direito à moradia, que envolveria além de sua própria casa, todo um conjunto de outros serviços públicos: "O direito a moradia adequada abrange não só a casa, mas vocês têm direito a uma moradia, mas também a infraestrutura, com todos os serviços básicos. Vocês tem direito a uma regularização fundiária. O que quer dizer isso. Não estão aqui invadindo, ocupando irregularmente, não estão aqui como um mato que nasceu e que pode ser tirado", afirma a defensora pública Adriana Britto.
A defensora pública falou sobre a ilegalidade da ação da prefeitura, que atuaria sobretudo sobre o desconhecimento das pessoas sobre seus direitos: "A gente veio dizer que toda essa atitude da prefeitura é ilegal. Contraria várias leis, a constituição federal, tratados internacionais, leis estaduais. Então, vocês tem todo um respaldo jurídico que adequa a situação de vocês. Porém, a prefeitura parte do pressuposto de que vocês não sabem de nada disso, então vai ser mais fácil passar por cima de vocês para conseguir alguma coisa, quer seja uma obra para desocupar por um motivo ou outro".
Ela ainda ressaltou a necessidade de inverter a ordem dos argumentos postos em jogo através da pressão da prefeitura: "eles vão inventar todo tipo de argumento. A indição é a seguinte: a primeira coisa é que vocês não têm que se submeter a este projeto passivamente. Não pode começar a negociação a partir do 'para onde eu vou`. Tem que dizer ´porque eu vou sair`. Tem que discutir 'eu não quero sair, estamos aqui há tantos anos, não podemos ser removidos como uma coisa`".
Após a assembleia, funcionários da prefeitura voltaram ao local naquela semana. Contudo, os moradores não permitiram a entrada deles. Por conta disto, o subprefeito da região esteve na comunidade, sem identificação, uniforme e num carro particular, ameaçar os moradores, avisando que enviaria uma equipe do "Choque de Ordem" para retirá-los e começar as demolições das casas marcadas. Os moradores se organizaram e convocaram outras comunidades, o Conselho Popular, a Pastoral de Favelas e a Defensoria Pública para irem no dia definido pela subprefeitura para realizar o despejo. Percebeu-se, como já vem ocorrendo há algum tempo em outras comunidades, que estes anúncios de que equipes da prefeitura irão ao local para realizar demolições de casas, em muitas situações, são meramente ameças para criar um estado de tensão generalizada entre os moradores e assim facilitar o processo de despejo. Mas desta vez a prefeitura encontrou os moradores mobilizados e não apareceu.
Alexandre Magalhães, Rede contra Violência

Adv.André Barros