Vivemos em uma situação revolucionária. A crise se torna permanente, a governança imperial está falida, o eixo atlântico apresenta a corda. Afirmá-lo não representa nenhuma concessão a um pretenso mecanicismo ou a qualquer tipo de determinismo ingênuo. São as próprias lutas a demonstrar que a multidão produtiva não quer mais viver como no passado, assim como os padrões do capitalismo global também não podem mais existir como no passado. Por isso o velho mundo está ruindo. Nas ruas do Egito, da Tunísia, da Espanha, de Londres, de Jirau e do Rio de Janeiro, de Santiago do Chile, nas praças e redes globais, a revolução qualifica a conjuntura e abre possibilidades extraordinárias na crise do capitalismo global iniciada entre 2007 e 2008 com a quebra dos contratos subprime e que hoje se aprofunda com a crise do dívida soberana na União Europeia.
Dessa maneira, a revolução volta à ordem do dia, embora de forma diferente: não há mais “palácio de inverno” a conquistar, centros nervosos do poder a serem apropriados. Por isso falamos em revolução 2.0: ela se articula através de diferentes tipos de redes – digitais e territoriais – e irrompe nas ruas e praças das metrópoles. Em um mundo no qual produzir se torna um ato comum, a “revolução 2.0” é o contexto no qual este ato se reafirma, e atualiza a potência de generalização do desejo comum.
A crise é sistêmica e permanente. A recorrência de bolhas através das quais a riqueza se acumula e estoura indica uma nova temporalidade da crise: não se trata mais de ciclos internos à (ir)racionalidade da economia capitalista, mas de uma temporalidade constituída pelos “mundos” que tais bolhas contêm. A temporalidade da crise é definida a cada momento pelas peculiaridades e pelos paradoxos que atravessam estes “mundos”, pelo conflito entre produção livre e horizontal do comum, de um lado, e sua captura parasitária, do outro. Em um viés negativo, as bolhas representam a forma que a acumulação capitalista usa paradividir e hierarquizar o comum. No positivo, são definidas e requalificadas pela difusão das lutas.
Governança e comum. Na crise, e diante dela, direita e esquerda se misturam, pensando-a como uma espécie de desvio da norma, por um lado, e usando-a como ocasião para aplicar unanimemente políticas ditas de exceção, por outro. Durante a primeira fase da crise ambas despejaram bilhões de dólares para socializar as perdas; agora desmantelam os últimos restos de welfare a fim de forçar a multidão de pobres e trabalhadores a arcar com o custo. O “estado de exceção” das economias centrais se une às políticas emergenciais dos países emergentes, de modo a submeter a sociedade aos interesses “superiores” do desenvolvimento. Mas, o “estado de exceção” é também aquele decretado pela multidão, em Londres.
Acenar com a ideia de exceção, portanto, não quer dizer afundar no catastrofismo, que nada mais é que um convite à inação política, ou mesmo reclamar a soberania estatal como freio à própria exceção. Quando a exceção se torna permanente, ela se torna normativa: e a governança se torna esta norma particular e não soft power, expertise e técnica de gestão que se distinguiria do governo fundado na violência. Digamo-lo então claramente: o modelo de governo soberano não acabou porque teria se tornado melhor, mas simplesmente porque as lutas o puseram em crise. A governança é um sistema de intervenção situado na base lá onde não é mais possível governar de cima para baixo. No entanto, essas intervenções alternam continuamente flexibilidade e violência (exatamente como se organizam /preparam as Olimpíadas de Londres e do Rio), com o fim de controlar e gerir aquilo que continuamente o excede: o comum. A governança é, portanto, continuamente alimentada por sua própria crise: é exatamente neste espaço, determinado pelas lutas, que se abre de modo permanente a possibilidade da ruptura e da subversão.
O trabalho da diferença devém multidão. A revolução 2.0 é animada por uma composição do trabalho vivo de tipo novo, composta de pobres precarizados e precários empobrecidos. Trata-se de um trabalho altamente fragmentado, no qual se combinam velhas e novas formas de precariedade, reunindo na mesma condição produtiva os migrantes, os pobres daquelas áreas ditas “subdesenvolvidas” (de Tunísia, Egito ou Brasil) e o proletariado cognitivo e imaterial das metrópoles “centrais” e “emergentes”. Nas lutas, nas redes e nas praças, a esta vida de precariedade se contrapõe a potência do fazer multidão, isto é, a metamorfose dos fragmentos em singularidades que cooperam entre si a partir das próprias diferenças e as reinventam continuamente: mulheres, migrantes, homens, indígenas , negros, mestiços, jovens, gays, lésbicas, transexuais.
As forças produtivas contém as relações de produção. Atualmente se inverte a tradicional relação entre forças produtivas e relações de produção: podemos dizer que são as próprias forças produtivas que contêm as relações de produção, enquanto o capital variável (isto é, o trabalho vivo que coopera / o trabalho colaborativo em rede) incorpora o capital fixo – as metrópoles e as suas praças, a cultura e a natureza. O comum indica exatamente esta dimensão relacional das forças produtivas enquanto produção de formas de vida (e de saberes) por meio de formas de vida (e de saberes). Os pobres se tornam potências produtivas sem passarem pelas relação salarial; os trabalhadores passam a ser plenamente produtivos por si mesmos, nas redes e nas praças.
Da relação salarial àquela de débito-crédito. Se no capitalismo industrial as variáveis centrais eram o salário e o lucro, no capitalismo cognitivo estas se tornam a renda e o rendimento. Neste regime de acumulação o trabalho se torna relacional, “polinizador”, imerso em redes de autovalorização. A acumulação ocorre a posteriori, como captura – financeira – dos fluxos: o mecanismo fundamental da captura consiste em continuar a pagar exclusivamente os fragmentos de trabalho que se apresentam sob a forma tradicional do emprego (das abelhas operárias). Assim, a perda do salário direto e indireto é “compensada”, paradoxalmente, pelo crescente recurso ao endividamento. Lucro e salário se transformam então em rendimento e renda. O tornar-se rendimento do lucro, através da financeirização, lança luz sobre a dimensão parasitária do capital que, para sugar o valor, acaba por matar as abelhas polinizadoras do trabalho relacional. Diante deste parasita, a fim de que o trabalho da multidão reproduza suas condições comuns, o salário deve estender-se pelo tempo de vida total; devir-renda, ou seja, uma bio-renda que reconheça a dimensão produtiva do trabalho relacional:“polinizador”. O direito à decretar falência e dar calote por parte de precários e pobres, isto é, a recusa em pagar à dívida a bancos, firmas financeiras e Estados, é uma das práticas através das quais a multidão se reapropria da renda social e o trabalho passa por um devir-renda.
Da dialética público-privado ao comum. Finalmente passou o tempo em que o socialismo podia correr em socorro de um capitalismo em agonia. E os anos de crise mostraram que qualquer receita keynesiana ou neo-keynesiana que vise relançar o ciclo econômico através do governo público faliu. Os processos de financeirização do welfare não podem ser afrontados e derrotados no terreno público exatamente porque esta é a articulação que permite que esses processos funcionem. Por outro lado, os sujeitos da revolta inglesa ou das periferias francesas cada vez mais só experimentam do welfare público a função de controle, privados que são dos benefícios materiais e das promessas de progresso do capitalismo, do exaurimento definitivo da percepção da escola e da universidade como mecanismos de ascensão social – percepção hegemônica dos movimentos de precários e estudantes na Europa, assim como nas revoltas na Tunísia e no Norte da África, aproximando e tornando comum uma classe média empobrecida e um proletariado cuja pobreza é diretamente proporcional à produtividade: pobres precarizados e precários empobrecidos.
O desafio se coloca agora, imediatamente, no plano da reapropriação da riqueza social e, logo, de sua constituição em riqueza comum; isto é, no plano da construção de instituições do comum, entendidas como criação de normatividade coletiva imanente à cooperação social. Não “ilhas felizes” ou espaços de utopia no interior (ou apesar) da acumulação capitalista, mas organização da autonomia coletiva e destruição dos aparatos de captura capitalista.
Em suma, não resta mais nada a defender. Transformar as mobilizações em torno do público em organização do comum: eis o caminho que indicam as acampadas espanholas e os movimentos globais. Podemos encontrar traços importantes também neste laboratório extraordinário e produtivamente ambivalente em que se constituíram o Brasil e a América Latina da década passada, na relação aberta e tensa entre movimentos e governança: como a rede, a cultura, os saberes, a universidade, os lugares de habitação e os espaços metropolitanos podem ser imaginados não como afirmação daquilo que não pertence a ninguém, mas como instrumento de autovalorização e autonomia da potência cooperativa do trabalho vivo? Como afirmação, portanto, daquilo que é produzido por todos e que pertence a todos, ou seja, da institucionalidade do comum? Aqui se travam as batalhas.
Nem brasilianização, nem europeização: Sul, Sol, Sal! Como evocado pela poesia do modernismo comunista brasileiro, a revolução 2.0 vem do Sul (da Tunísia, do Egito), consolida-se no Sol das acampadas espanholas, para então retornar ao Sul que se localiza no interior do norte e reverbera nos fogos da revolta na Inglaterra. Em Londres, hoje, como em Paris ontem, encontramos as periferias pós- e neo-coloniais, fenômeno a que os sociológos do risco chamam de “brasilianização do mundo”: o colonizado continua a ser o mau exemplo aos olhos do colonizador. Mas, visto desde o Sul, a “brasilianização do Brasil” revela um duplo paradoxo: uma vez que atualmente é no Sul que se encontram as jazidas do crescimento global, a tal “brasilianização” é na realidade uma “europeização”. Estas jazidas, porém, não devem repetir a experiência de expropriação e homologação coloniais. Para além da brasilianização e da europeização, é na multidão de pobres – das favelas do Rio de Janeiro e das periferias de Londres – que encontramos o “Sal”: a metamorfose do próprio significado do desenvolvimento.
Os espaços constituintes do comum. A revolução 2.0 é irrepresentável: afirmam os movimentos. A potência constituinte da multidão não deve se tornar forma de governo, porque ela já exprime imediatamente as formas de vida em comum. A ocupação dos espaços metropolitanos, na condição de espaços centrais da produção, não é um simples exercício extemporâneo de protesto, mas construção de laboratórios de criação de formas de vida em comum, de reapropriação de poderes e logo de nova constituição. Mas, como é que esta potência constituinte pode conseguir esvaziar e romper a máquina de captura? Eis o ponto. De uma coisa estamos seguros: é no plano transnacional que o processo constituinte é jogado. Não há devir para as lutas nas angústias e nos limites esvaziados dos Estados-Nação. Isto vem sendo dito das acampadas espanholas até a Tunísia. E é por este motivo que – como indica a construção de uma grande jornada de mobilização transnacional no próximo dia 15 de outubro – os espaços globais só podem viver através de um processo constituinte que se encarna nos movimentos do comum e nas experimentações políticas da multidão. Por isso também, quaisquer tentativas de engenharia jurídica ou econômica, ou de reprodução em escala continental da crise irreversível da soberania estará morta ao nascer.
Quando nos anos recentes começamos a falar de multidão, de pobres e de comum, de trabalho cognitivo e biopolítica, talvez ainda não compreendêssemos com precisão a potência do que estávamos dizendo: pois as lutas hoje explicam e aprofundam esses termos. Estes são conceitos entendidos como ferramentas políticas. E será nesta tendência que continuaremos a dar nossa contribuição para transformar a situação revolucionária em revolução, revolução 2.0: é o único caminho plausível e possível para sair da crise para além da impotência e da melancolia das esquerdas e contra a guerra aos pobres criada pelas direitas.
André Barros, 51 anos, carioca, mestre em ciências penais, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e advogado da Marcha da Maconha. Entrou na Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ em 1989, onde foi delegado, membro, Secretário-Geral e atualmente Vice-Presidente.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Estado e Serviços Públicos: OSs, estatismo e corporativismo Por Vladimir Palmeira e Diogo Coelho
O projeto do governador Cabral, de criação de OSs para a saúde, despertou bastante oposição. Além dos estatizantes de sempre, alguns recém-chegados à extrema-esquerda. Um apoiador da deputada Benedita da Silva, conhecida por sua moderação, afirmou pela internet:
A privatização da saúde pública começou com o governo neoliberal de FHC. Seu objetivo era o “estado mínimo” e a consequente privatização dos serviços públicos da saúde, da educação e de outros setores. A forma da privatização era a das OSs (e Oscips), usadas como fachadas de interesses privados. Desde a sua implantação até hoje, acumulam-se denúncias contra as atividades dessas “organizações sociais” tais como: desvios de recursos públicos, precarização do trabalho, baixa qualidade do atendimento, superfaturamento e irregularidades de todos os tipos, inclusive a de reservar leitos do SUS para os planos privados de saúde. Tais denúncias ocorrem em todo o país e também nas OSs implantadas pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes. O PT sempre combateu frontalmente essa política neoliberal, afirmando que nem a saúde pública nem a educação pública podem depender da margem de lucro.
Radicalização de ocasião, corporativismo entranhado. O curioso é que todas as acusações parecem ser aquelas feitas ao próprio serviço estatal. Nossos trabalhadores diriam exatamente isto do serviço que lhes é oferecido hoje. Não precisaram de OSs para encarar estes problemas.
O recém-radical equivoca-se também ao falar de privatização. Não se trata, no caso, de nenhuma privatização. Mas de contratos de gestão feitos com entidades sem fins lucrativos.
Também se engana o radical recente quando diz que o PT sempre combateu esta política. O PT da capital do Rio de Janeiro já votou a favor das OSs. Inúmeras administrações petistas já usam as OSs. Tudo isto ocorreu sem que tenha havido tanta grita por parte destes setores do PT.
Na verdade, a luta contra as OSs traz a marca do corporativismo. O velho Marx dizia, na Guerra Civil na França, tratando da Comuna de Paris:
A Comuna fez uma realidade dessa deixa das revoluções burguesas - governo barato - destruindo as duas maiores fontes de despesa: o exército permanente e o funcionalismo de Estado.
Portanto, a defesa de um Estado menos custoso não é meramente a queixa da burguesia: foi executada pelos trabalhadores. Some-se a isto a necessidade de qualidade de serviço para a população. Marx sempre pensou primeiro, não nos funcionários, mas no povo.
Os inimigos da OSs agem como se o serviço estatal fosse uma beleza. Não é: é mal feito e não satisfaz a população. O pobre é tratado como gado. Os funcionários frequentemente não trabalham, médicos não cobrem plantões. Por outro lado, a remuneração é inadequada.
O Estado busca novas formas de ação. As OSs são uma delas, pode haver variantes. São uma forma de propriedade pública não-estatal. Com elas, o Estado faz um contrato de gestão, onde se definem objetivos da administração e se garante a fiscalização do Estado.
Já em 1998, na gestão FHC, a formulação das OSs e suas vantagens estavam bem claras.
Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais tenderão a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento.
O modelo institucional das Organizações Sociais apresenta vantagens claras sobre outras formas de organizações estatais atualmente responsáveis pela execução de atividades não-exclusivas.
Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e finanças, compras e contratos na Administração Pública. Com isso, há um significativo ganho de agilidade e qualidade na seleção, contratação, manutenção e desligamento de funcionários, que, enquanto celetistas, estão sujeitos a plano de cargos e salários e regulamento próprio de cada Organização Social, ao passo que as organizações estatais estão sujeitas às normas do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, a concurso público, ao SIAPE e à tabela salarial do setor público.
Verifica-se também nas Organizações Sociais um expressivo ganho de agilidade e qualidade nas aquisições de bens e serviços, uma vez que seu regulamento de compras e contratos não se sujeita ao disposto na Lei nº 8.666 e ao SIASG. Esse ganho de agilidade reflete-se, sobretudo, na conservação do patrimônio público cedido à Organização Social ou patrimônio porventura adquirido com recursos próprios.
Do ponto de vista da gestão orçamentária e financeira as vantagens do modelo organizações sociais são significativas: os recursos consignados no Orçamento Geral da União para execução do contrato de gestão com as Organizações Sociais constituem receita própria da Organização Social, cuja alocação e execução não se sujeitam aos ditames da execução orçamentária, financeira e contábil governamentais operados no âmbito do SIAFI e sua legislação pertinente; sujeitam-se a regulamento e processos próprios.
No que se refere à gestão organizacional em geral, a vantagem evidente do modelo Organizações Sociais é o estabelecimento de mecanismos de controle finalísticos, ao invés de meramente processualísticos, como no caso da Administração Pública. A avaliação da gestão de uma Organização Social dar-se-á mediante a avaliação do cumprimento das metas estabelecidas no contrato de gestão, ao passo que nas entidades estatais o que predomina é o controle dos meios, sujeitos a auditorias e inspeções das CISETs e do TCU.
O serviço não deixa de ser público, por isto não cabe aqui falar de privatização. O Estado tem amplos mecanismos para fiscalizar, simplesmente não administra diretamente.
Como bem nos lembra publicação do IPEA do ano de 2010:
o caráter público do SUS se refere ao modus operandi do sistema como um todo, pressupondo o exercício adequado da autoridade de direção única na esfera competente. Portanto, a “pureza pública” do sistema não depende do fato de as unidades assistenciais pertencerem à administração pública, direta ou indireta.
Vale ressaltar, ainda, que o próprio projeto de lei votado na ALERJ estabelece, entre as obrigações dos futuros contratos de gestão, o atendimento exclusivo aos usuários do SUS. Além disso, a bancada do PT apresentou emenda no sentido de reforçar essa direção, impedindo expressamente a prática de “dupla porta” recentemente aprovada em São Paulo.
Como afirma o ex-ministro de Lula, José Temporão, as pesquisas apontam, tanto no Brasil como internacionalmente, que a gestão hospitalar exige modelos mais autônomos de gestão dada a complexidade dos seus processos de trabalho, sempre a demandar respostas ágeis e de qualidade com a finalidade de garantir a vida de seus pacientes, além de custos adequados. A administração direta ou autárquica não se ajusta mais às exigências contemporâneas da gestão hospitalar.
Em seu estudo vencedor do Prêmio do Tesouro Nacional 2009 de Qualidade do Gasto Público, Tarjano Quinhões – doutor em administração pública pela FGV e especialista em políticas públicas do Ministério do Planejamento – fez uma comparação entre hospitais paulistas de portes similares administrados diretamente pelo estado e aqueles administrados pelas organizações sociais, ainda antes da implementação do sistema de “dupla porta”. De acordo com Quinhões:
Com base nos dados coletados a respeito da prestação de serviços hospitalares pelos dois grupos de hospitais em 2006 e 2007, é possível inferir que os hospitais OSs foram mais eficientes do que os da administração direta, efetuando mais atendimentos de internação e ambulatoriais por leito e por consultório disponível. Isso pode ser constatado pelo fato de que cada leito dos hospitais OSs proporcionou, em média, 20% mais altas hospitalares, sendo essa diferença muito maior para os leitos cirúrgicos, com 60,5% mais altas para cada leito. A taxa de ocupação hospitalar foi 21,4% superior, e o intervalo de substituição de leito – que nesses hospitais foi inferior a um dia para substituir um paciente internado – na administração direta foi de quase dois dias (1,979 dias), ou seja, 2,72 vezes mais tempo. Os hospitais OSs também produziram mais serviços por pessoal disponível. Foram realizadas 10% mais internações por médico; foram utilizados 9% mais médicos por leito operacional e 1,6% menos funcionários por leito. Os melhores indicadores de eficiência não foram obtidos à custa de uma piora na qualidade do atendimento. Apesar de os hospitais OSs terem uma clientela um pouco mais velha e consequentemente haver um indicativo de atendimentos que requerem maior complexidade de atenção, a taxa de mortalidade geral foi quase idêntica à verificada nos hospitais da administração direta e até inferior (1%). (...) O gasto médio por internação teve um comportamento 1,7% menor do que o verificado nos hospitais da administração direta.
Novamente citando a publicação do IPEA, os motivos da baixa efetividade dos hospitais geridos diretamente pela administração pública podem ser desdobrados da seguinte maneira:
i) reduzida autonomia técnico-administrativa [e na gestão de pessoal] devido às normas e aos procedimentos que são típicos da administração direta; ii) limitações criadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), especialmente quanto à admissão e à expansão dos recursos humanos; iii) falta de agilidade nos processos licitatórios para a aquisição de equipamentos e insumos de necessidade urgente; e iv) dificuldades de incorporação de pessoal mais qualificado e de certas especialidades, inclusive porque algumas destas especialidades, a exemplo dos anestesistas e oftalmologistas, recusam-se a prestar concurso público, e quando prestam não assumem as vagas disponíveis.
Sobre esse último ponto, cabe ressaltar que as OSs têm facilidade para promover a contratação terceirizada de entidades civis e, ainda, a contratação ad hoc de profissionais qualificados.
Usando as OSs, o Estado tem mais condições de melhorar seu próprio serviço. Como? A lei de responsabilidade fiscal e os gastos com o regime previdenciário próprio inibem aumento de salários de servidores. Com as OSs, abre-se um mercado de trabalho para trabalhadores da saúde, e o Estado pode ter folga para melhorar os salários de seus próprios funcionários, exigindo, em contrapartida, um serviço melhor.
O estado ganha também maior capacidade de investimento. Não é à toa que o governo federal, sob a liderança de Lula, tentou formas alternativas para o serviço de saúde. Enquanto nossos corporativistas gritam contra as OSs, o Estado brasileiro é um dos que menos investe no mundo.
Por tudo isso, posicionamo-nos favoravelmente às OSs. Elas não são uma questão só do governo Cabral. Não se trata de subalternidade ao governador. As OSs, independentemente do governo de ocasião, são uma necessidade da gestão pública.
Referências Bibliográficas:
Marx, A Guerra Civil na França.
Cadernos MARE da Reforma do Estado, Caderno 2. Brasília, 1998.
IPEA. Estado, Instituições e Democracia. Livro 9, vol. I. Brasília, 2010.
QUINHÕES, T. A. T. O modelo de governança das organizações sociais de saúde (OSS) e a qualidade do gasto público hospitalar corrente. XIV Prêmio Tesouro Nacional, 2009, 1o Lugar. Disponível em:
A privatização da saúde pública começou com o governo neoliberal de FHC. Seu objetivo era o “estado mínimo” e a consequente privatização dos serviços públicos da saúde, da educação e de outros setores. A forma da privatização era a das OSs (e Oscips), usadas como fachadas de interesses privados. Desde a sua implantação até hoje, acumulam-se denúncias contra as atividades dessas “organizações sociais” tais como: desvios de recursos públicos, precarização do trabalho, baixa qualidade do atendimento, superfaturamento e irregularidades de todos os tipos, inclusive a de reservar leitos do SUS para os planos privados de saúde. Tais denúncias ocorrem em todo o país e também nas OSs implantadas pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes. O PT sempre combateu frontalmente essa política neoliberal, afirmando que nem a saúde pública nem a educação pública podem depender da margem de lucro.
Radicalização de ocasião, corporativismo entranhado. O curioso é que todas as acusações parecem ser aquelas feitas ao próprio serviço estatal. Nossos trabalhadores diriam exatamente isto do serviço que lhes é oferecido hoje. Não precisaram de OSs para encarar estes problemas.
O recém-radical equivoca-se também ao falar de privatização. Não se trata, no caso, de nenhuma privatização. Mas de contratos de gestão feitos com entidades sem fins lucrativos.
Também se engana o radical recente quando diz que o PT sempre combateu esta política. O PT da capital do Rio de Janeiro já votou a favor das OSs. Inúmeras administrações petistas já usam as OSs. Tudo isto ocorreu sem que tenha havido tanta grita por parte destes setores do PT.
Na verdade, a luta contra as OSs traz a marca do corporativismo. O velho Marx dizia, na Guerra Civil na França, tratando da Comuna de Paris:
A Comuna fez uma realidade dessa deixa das revoluções burguesas - governo barato - destruindo as duas maiores fontes de despesa: o exército permanente e o funcionalismo de Estado.
Portanto, a defesa de um Estado menos custoso não é meramente a queixa da burguesia: foi executada pelos trabalhadores. Some-se a isto a necessidade de qualidade de serviço para a população. Marx sempre pensou primeiro, não nos funcionários, mas no povo.
Os inimigos da OSs agem como se o serviço estatal fosse uma beleza. Não é: é mal feito e não satisfaz a população. O pobre é tratado como gado. Os funcionários frequentemente não trabalham, médicos não cobrem plantões. Por outro lado, a remuneração é inadequada.
O Estado busca novas formas de ação. As OSs são uma delas, pode haver variantes. São uma forma de propriedade pública não-estatal. Com elas, o Estado faz um contrato de gestão, onde se definem objetivos da administração e se garante a fiscalização do Estado.
Já em 1998, na gestão FHC, a formulação das OSs e suas vantagens estavam bem claras.
Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais tenderão a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento.
O modelo institucional das Organizações Sociais apresenta vantagens claras sobre outras formas de organizações estatais atualmente responsáveis pela execução de atividades não-exclusivas.
Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e finanças, compras e contratos na Administração Pública. Com isso, há um significativo ganho de agilidade e qualidade na seleção, contratação, manutenção e desligamento de funcionários, que, enquanto celetistas, estão sujeitos a plano de cargos e salários e regulamento próprio de cada Organização Social, ao passo que as organizações estatais estão sujeitas às normas do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, a concurso público, ao SIAPE e à tabela salarial do setor público.
Verifica-se também nas Organizações Sociais um expressivo ganho de agilidade e qualidade nas aquisições de bens e serviços, uma vez que seu regulamento de compras e contratos não se sujeita ao disposto na Lei nº 8.666 e ao SIASG. Esse ganho de agilidade reflete-se, sobretudo, na conservação do patrimônio público cedido à Organização Social ou patrimônio porventura adquirido com recursos próprios.
Do ponto de vista da gestão orçamentária e financeira as vantagens do modelo organizações sociais são significativas: os recursos consignados no Orçamento Geral da União para execução do contrato de gestão com as Organizações Sociais constituem receita própria da Organização Social, cuja alocação e execução não se sujeitam aos ditames da execução orçamentária, financeira e contábil governamentais operados no âmbito do SIAFI e sua legislação pertinente; sujeitam-se a regulamento e processos próprios.
No que se refere à gestão organizacional em geral, a vantagem evidente do modelo Organizações Sociais é o estabelecimento de mecanismos de controle finalísticos, ao invés de meramente processualísticos, como no caso da Administração Pública. A avaliação da gestão de uma Organização Social dar-se-á mediante a avaliação do cumprimento das metas estabelecidas no contrato de gestão, ao passo que nas entidades estatais o que predomina é o controle dos meios, sujeitos a auditorias e inspeções das CISETs e do TCU.
O serviço não deixa de ser público, por isto não cabe aqui falar de privatização. O Estado tem amplos mecanismos para fiscalizar, simplesmente não administra diretamente.
Como bem nos lembra publicação do IPEA do ano de 2010:
o caráter público do SUS se refere ao modus operandi do sistema como um todo, pressupondo o exercício adequado da autoridade de direção única na esfera competente. Portanto, a “pureza pública” do sistema não depende do fato de as unidades assistenciais pertencerem à administração pública, direta ou indireta.
Vale ressaltar, ainda, que o próprio projeto de lei votado na ALERJ estabelece, entre as obrigações dos futuros contratos de gestão, o atendimento exclusivo aos usuários do SUS. Além disso, a bancada do PT apresentou emenda no sentido de reforçar essa direção, impedindo expressamente a prática de “dupla porta” recentemente aprovada em São Paulo.
Como afirma o ex-ministro de Lula, José Temporão, as pesquisas apontam, tanto no Brasil como internacionalmente, que a gestão hospitalar exige modelos mais autônomos de gestão dada a complexidade dos seus processos de trabalho, sempre a demandar respostas ágeis e de qualidade com a finalidade de garantir a vida de seus pacientes, além de custos adequados. A administração direta ou autárquica não se ajusta mais às exigências contemporâneas da gestão hospitalar.
Em seu estudo vencedor do Prêmio do Tesouro Nacional 2009 de Qualidade do Gasto Público, Tarjano Quinhões – doutor em administração pública pela FGV e especialista em políticas públicas do Ministério do Planejamento – fez uma comparação entre hospitais paulistas de portes similares administrados diretamente pelo estado e aqueles administrados pelas organizações sociais, ainda antes da implementação do sistema de “dupla porta”. De acordo com Quinhões:
Com base nos dados coletados a respeito da prestação de serviços hospitalares pelos dois grupos de hospitais em 2006 e 2007, é possível inferir que os hospitais OSs foram mais eficientes do que os da administração direta, efetuando mais atendimentos de internação e ambulatoriais por leito e por consultório disponível. Isso pode ser constatado pelo fato de que cada leito dos hospitais OSs proporcionou, em média, 20% mais altas hospitalares, sendo essa diferença muito maior para os leitos cirúrgicos, com 60,5% mais altas para cada leito. A taxa de ocupação hospitalar foi 21,4% superior, e o intervalo de substituição de leito – que nesses hospitais foi inferior a um dia para substituir um paciente internado – na administração direta foi de quase dois dias (1,979 dias), ou seja, 2,72 vezes mais tempo. Os hospitais OSs também produziram mais serviços por pessoal disponível. Foram realizadas 10% mais internações por médico; foram utilizados 9% mais médicos por leito operacional e 1,6% menos funcionários por leito. Os melhores indicadores de eficiência não foram obtidos à custa de uma piora na qualidade do atendimento. Apesar de os hospitais OSs terem uma clientela um pouco mais velha e consequentemente haver um indicativo de atendimentos que requerem maior complexidade de atenção, a taxa de mortalidade geral foi quase idêntica à verificada nos hospitais da administração direta e até inferior (1%). (...) O gasto médio por internação teve um comportamento 1,7% menor do que o verificado nos hospitais da administração direta.
Novamente citando a publicação do IPEA, os motivos da baixa efetividade dos hospitais geridos diretamente pela administração pública podem ser desdobrados da seguinte maneira:
i) reduzida autonomia técnico-administrativa [e na gestão de pessoal] devido às normas e aos procedimentos que são típicos da administração direta; ii) limitações criadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), especialmente quanto à admissão e à expansão dos recursos humanos; iii) falta de agilidade nos processos licitatórios para a aquisição de equipamentos e insumos de necessidade urgente; e iv) dificuldades de incorporação de pessoal mais qualificado e de certas especialidades, inclusive porque algumas destas especialidades, a exemplo dos anestesistas e oftalmologistas, recusam-se a prestar concurso público, e quando prestam não assumem as vagas disponíveis.
Sobre esse último ponto, cabe ressaltar que as OSs têm facilidade para promover a contratação terceirizada de entidades civis e, ainda, a contratação ad hoc de profissionais qualificados.
Usando as OSs, o Estado tem mais condições de melhorar seu próprio serviço. Como? A lei de responsabilidade fiscal e os gastos com o regime previdenciário próprio inibem aumento de salários de servidores. Com as OSs, abre-se um mercado de trabalho para trabalhadores da saúde, e o Estado pode ter folga para melhorar os salários de seus próprios funcionários, exigindo, em contrapartida, um serviço melhor.
O estado ganha também maior capacidade de investimento. Não é à toa que o governo federal, sob a liderança de Lula, tentou formas alternativas para o serviço de saúde. Enquanto nossos corporativistas gritam contra as OSs, o Estado brasileiro é um dos que menos investe no mundo.
Por tudo isso, posicionamo-nos favoravelmente às OSs. Elas não são uma questão só do governo Cabral. Não se trata de subalternidade ao governador. As OSs, independentemente do governo de ocasião, são uma necessidade da gestão pública.
Referências Bibliográficas:
Marx, A Guerra Civil na França.
Cadernos MARE da Reforma do Estado, Caderno 2. Brasília, 1998.
IPEA. Estado, Instituições e Democracia. Livro 9, vol. I. Brasília, 2010.
QUINHÕES, T. A. T. O modelo de governança das organizações sociais de saúde (OSS) e a qualidade do gasto público hospitalar corrente. XIV Prêmio Tesouro Nacional, 2009, 1o Lugar. Disponível em:
domingo, 18 de setembro de 2011
NOTA DA AMAST: Repúdio à nomeação do novo presidente da CENTRAL
A AMAST – Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa, vem a público lamentar e repudiar a indicação do Sr. Carlos Eduardo Carneiro Macedo para presidir a CENTRAL, companhia administra o Sistema de Bondes. É, no mínimo, suspeito e curioso, que esse Sr. venha de Três Rios, mesma origem da empresa T’TRANS – sim, aquela que teve o contrato julgado ilegal pelo TCE e cujos protótipos de “VLT” tiveram o sistema de freios condenados pelo CREA e pelos inúmeros acidentes e incidentes.
Carlos Eduardo Carneiro Macedo – bacharel em Engenharia Operacional, presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) e membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. Conhece tanto de transportes ferroviários quando o Secretário Júlio Lopes. Esta nomeação não passa de embuste para dar satisfação à imprensa e à opinião pública.
É certo que o Presidente anterior, Sr. Sebastião Rodrigues, Advogado de formação, não tinha a menor experiência em transportes ferroviários, e muitos menos em bondes, tal qual o Secretário Júlio Lopes, cuja gestão foi responsável pelo agravamento dos problemas do Sistema de Bondes de Santa Teresa.
Entretanto, a substituição do Sr. Sebastião Rodrigues não passa de uma troca de 6 (seis) por meia dúzia.Rodrigues está no cargo há pouco tempo, em substituição ao anterior presidente da CENTRAL, Albuíno Cunha de Azevedo, que foi condenado pelo TCE a pagar multa de 3.000 UFIR-RJ pelas irregularidades cometidas enquanto ocupou a presidência da CENTRAL.
O Sr. Sebastião “pegou o bonde (des)andando”; aproveitou a oportunidade ajudando a destruir o patrimônio público e muitas vidas, mas não será “bode expiatório” – ao menos para Santa Teresa, que tem excelente memória. Lembramos muito bem que a fase crítica de penúria, acidentes e mortes sucessivas no SBST coincide com a gestão do Secretário de Transportes Júlio Lopes, em parceria com o Engenheiro Fábio Tepedino - aquele que, em 2007, assistiu perplexo a entrega do primeiro VLT que não saía do lugar!
Estes senhores foram diretamente responsáveis pela malversação dos recursos destinados à recuperação dos bondes, ao tomar a decisão política (e ilegal; e tecnicamente condenada pelo CREA;) de tentar transformar bondes tombados em VLT, fazendo dos usuários do bonde verdadeiras cobaias humanas involuntárias.
Por estas razões, não será tomada como séria qualquer proposta relacionada ao Sistema de Bondes de Santa Teresa que não envolva a exoneração do Secretário Júlio Lopes e a demissão da “cúpula” da CENTRAL, abaixo listada:
* Presidente: Sebastião Rodrigues (demitido)
* Diretor de Administração e Finanças: Maurício Pessôa Garcia Júnior
* Diretor de Engenharia: Fábio Tepedino Junior
* Diretor de Planejamento e Operação: Cesar Alfredo Diuana
Temos a firme convicção de que, por trás do “sucateamento” e da “esculhambação”, há muito mais do que se pode imaginar, e confiamos que a CPI a ser instaurada na ALERJ irá nos mostrar fatos, situações e “negócios” de causar perplexidade ao pior dos criminosos.
Carlos Eduardo Carneiro Macedo – bacharel em Engenharia Operacional, presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) e membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro. Conhece tanto de transportes ferroviários quando o Secretário Júlio Lopes. Esta nomeação não passa de embuste para dar satisfação à imprensa e à opinião pública.
É certo que o Presidente anterior, Sr. Sebastião Rodrigues, Advogado de formação, não tinha a menor experiência em transportes ferroviários, e muitos menos em bondes, tal qual o Secretário Júlio Lopes, cuja gestão foi responsável pelo agravamento dos problemas do Sistema de Bondes de Santa Teresa.
Entretanto, a substituição do Sr. Sebastião Rodrigues não passa de uma troca de 6 (seis) por meia dúzia.Rodrigues está no cargo há pouco tempo, em substituição ao anterior presidente da CENTRAL, Albuíno Cunha de Azevedo, que foi condenado pelo TCE a pagar multa de 3.000 UFIR-RJ pelas irregularidades cometidas enquanto ocupou a presidência da CENTRAL.
O Sr. Sebastião “pegou o bonde (des)andando”; aproveitou a oportunidade ajudando a destruir o patrimônio público e muitas vidas, mas não será “bode expiatório” – ao menos para Santa Teresa, que tem excelente memória. Lembramos muito bem que a fase crítica de penúria, acidentes e mortes sucessivas no SBST coincide com a gestão do Secretário de Transportes Júlio Lopes, em parceria com o Engenheiro Fábio Tepedino - aquele que, em 2007, assistiu perplexo a entrega do primeiro VLT que não saía do lugar!
Estes senhores foram diretamente responsáveis pela malversação dos recursos destinados à recuperação dos bondes, ao tomar a decisão política (e ilegal; e tecnicamente condenada pelo CREA;) de tentar transformar bondes tombados em VLT, fazendo dos usuários do bonde verdadeiras cobaias humanas involuntárias.
Por estas razões, não será tomada como séria qualquer proposta relacionada ao Sistema de Bondes de Santa Teresa que não envolva a exoneração do Secretário Júlio Lopes e a demissão da “cúpula” da CENTRAL, abaixo listada:
* Presidente: Sebastião Rodrigues (demitido)
* Diretor de Administração e Finanças: Maurício Pessôa Garcia Júnior
* Diretor de Engenharia: Fábio Tepedino Junior
* Diretor de Planejamento e Operação: Cesar Alfredo Diuana
Temos a firme convicção de que, por trás do “sucateamento” e da “esculhambação”, há muito mais do que se pode imaginar, e confiamos que a CPI a ser instaurada na ALERJ irá nos mostrar fatos, situações e “negócios” de causar perplexidade ao pior dos criminosos.
sábado, 17 de setembro de 2011
Chamada para trabalhos – Queering Paradigms IV Caráter do congresso e das contribuições:
Após o sucesso de três congressos internacionais e interdisciplinares Queering Paradigms, realizados em três continentes, o Programa Interdisciplinar de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Programa de Pós- graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) têm a honra de sediar o quarto congresso, Queering Paradigms IV, a ser realizado do dia 25 ao dia 28 de julho de 2012. Nossos/as conferencistas serão Annamarie Jagose (Universidade de Sydney, Austrália), José Quiroga (Universidade de Emory, EUA), Alípio Sousa Filho (UFRN, Brasil), Jack Halberstam (Universidade do Sul de Califórnia, EUA), Luiz Paulo da Moita Lopes (UFRJ, Brasil) e Jô Gondar (UNIRIO, Brasil).
Assim como nos congressos anteriores, usamos o termo ‘queer’ para nos referir a um domínio indefinido e sem fronteiras de gêneros, sexualidades e práticas corporais não- normativas que inclui uma filiação a abordagens analíticas críticas, considerando também que o termo não ressoa globalmente com os mesmos sentidos a ele atribuídos em contextos anglo- americanos. Portanto, para os propósitos do congresso, ‘queering’ implica questionar, contrastar, desafiar e destabilizar a heteronormatividade, não se restringindo a ela: o alcance da sua análise inclui a homonormatividade, normatividade de classe, religião, raça, e a normatividade científica e/ou disciplinar.
O objetivo do congresso é, portanto, analisar o status quo e os desafios para o futuro dos Estudos Queer e dos Estudos LGBTIQ a partir de uma perspectiva ampla e inter/multidisciplinar, com vistas a problematizar/desestabilizar (i.e. queer) discursos essencializados e paradigmas totalizantes. Para discutir pesquisas sobre práticas sociais queer e LGBTIQ, nossa intenção é de colocar em diálogo pesquisadores/as de vários países e de diversas áreas de investigação, incluindo, mas não se limitando a, antropologia, sociologia, estudos da linguagem, teologia, ciência política, direito, medicina social, filosofia, geografia e psicologia social.
Propostas para trabalhos e sessões coordenadas (panels):
Convidamos propostas para trabalhos e sessões coordenadas (panels) sobre qualquer aspecto dos Estudos Queer ou LGBTIQ. As áreas temáticas para submissão de trabalhos são:
Queering ética Queering instituições Queering práticas da linguagem Queering artes e literaturas Queering práticas midiáticas Queering raças e etnias Queering epistemologias e metodologias Queering ativismos Queering temporalidades e geografias Queering corpos, corporificações e identidades
As propostas serão sujeitas a um processo de avaliação por pares pela nossa comissão científica internacional e devem ser enviadas pelo nosso site: http://www.alab.org.br/eventos/queering-paradigms-iv, até o dia 15 de dezembro 2012.
Propostas para comunicações individuais: Resumos com um mínimo de 1500 e um máximo de 3500 caracteres, seguidos por três palavras-chave.
Propostas para sessões coordenadas: As sessões coordenadas devem ter entre quatro e seis participantes. A inscrição deve ser feita pelo/a coordenador/a, e deve incluir o resumo da sessão e os resumos de cada participante. Cada resumo deve conter um mínimo de 1500 e um máximo de 3500 caracteres, seguidos por três palavras-chave.
As propostas podem ser submetidas, e os trabalhos apresentados, em inglês, português ou espanhol; porém, devido ao caráter internacional do congresso, o uso do inglês é fortemente encorajado. Os resumos devem ser escritos na língua na qual o trabalho será apresentado. Para aqueles/as que falam inglês como segunda língua ou como língua estrangeira, enfatizamos que para nosso congresso o que importa não é a precisão gramatical dos/as supostos/as falantes nativos/as, mas a capacidade de comunicarem suas idéias eficazmente, com a ajuda de suportes visuais como slides/datashow. Os trabalhos podem ser realizados em co-autoria. Cada participante pode submeter até duas propostas.
Os anais do congresso serão preparados para publicação avaliada por pares na Queering Paradigms Series, publicada pela editora acadêmica internacional Peter Lang.
Para entrar em contato utilizem nosso e-mail: queeringparadigms4@gmail.com. Mais informações estão disponíveis em nosso site (http://www.alab.org.br/eventos/queering- paradigms-iv), em nossa página do Facebook (Queering Paradigms 4) e em nosso Twitter (@QueeringP4).
Assim como nos congressos anteriores, usamos o termo ‘queer’ para nos referir a um domínio indefinido e sem fronteiras de gêneros, sexualidades e práticas corporais não- normativas que inclui uma filiação a abordagens analíticas críticas, considerando também que o termo não ressoa globalmente com os mesmos sentidos a ele atribuídos em contextos anglo- americanos. Portanto, para os propósitos do congresso, ‘queering’ implica questionar, contrastar, desafiar e destabilizar a heteronormatividade, não se restringindo a ela: o alcance da sua análise inclui a homonormatividade, normatividade de classe, religião, raça, e a normatividade científica e/ou disciplinar.
O objetivo do congresso é, portanto, analisar o status quo e os desafios para o futuro dos Estudos Queer e dos Estudos LGBTIQ a partir de uma perspectiva ampla e inter/multidisciplinar, com vistas a problematizar/desestabilizar (i.e. queer) discursos essencializados e paradigmas totalizantes. Para discutir pesquisas sobre práticas sociais queer e LGBTIQ, nossa intenção é de colocar em diálogo pesquisadores/as de vários países e de diversas áreas de investigação, incluindo, mas não se limitando a, antropologia, sociologia, estudos da linguagem, teologia, ciência política, direito, medicina social, filosofia, geografia e psicologia social.
Propostas para trabalhos e sessões coordenadas (panels):
Convidamos propostas para trabalhos e sessões coordenadas (panels) sobre qualquer aspecto dos Estudos Queer ou LGBTIQ. As áreas temáticas para submissão de trabalhos são:
Queering ética Queering instituições Queering práticas da linguagem Queering artes e literaturas Queering práticas midiáticas Queering raças e etnias Queering epistemologias e metodologias Queering ativismos Queering temporalidades e geografias Queering corpos, corporificações e identidades
As propostas serão sujeitas a um processo de avaliação por pares pela nossa comissão científica internacional e devem ser enviadas pelo nosso site: http://www.alab.org.br/eventos/queering-paradigms-iv, até o dia 15 de dezembro 2012.
Propostas para comunicações individuais: Resumos com um mínimo de 1500 e um máximo de 3500 caracteres, seguidos por três palavras-chave.
Propostas para sessões coordenadas: As sessões coordenadas devem ter entre quatro e seis participantes. A inscrição deve ser feita pelo/a coordenador/a, e deve incluir o resumo da sessão e os resumos de cada participante. Cada resumo deve conter um mínimo de 1500 e um máximo de 3500 caracteres, seguidos por três palavras-chave.
As propostas podem ser submetidas, e os trabalhos apresentados, em inglês, português ou espanhol; porém, devido ao caráter internacional do congresso, o uso do inglês é fortemente encorajado. Os resumos devem ser escritos na língua na qual o trabalho será apresentado. Para aqueles/as que falam inglês como segunda língua ou como língua estrangeira, enfatizamos que para nosso congresso o que importa não é a precisão gramatical dos/as supostos/as falantes nativos/as, mas a capacidade de comunicarem suas idéias eficazmente, com a ajuda de suportes visuais como slides/datashow. Os trabalhos podem ser realizados em co-autoria. Cada participante pode submeter até duas propostas.
Os anais do congresso serão preparados para publicação avaliada por pares na Queering Paradigms Series, publicada pela editora acadêmica internacional Peter Lang.
Para entrar em contato utilizem nosso e-mail: queeringparadigms4@gmail.com. Mais informações estão disponíveis em nosso site (http://www.alab.org.br/eventos/queering- paradigms-iv), em nossa página do Facebook (Queering Paradigms 4) e em nosso Twitter (@QueeringP4).
Queridos amigos da América Latina,
Em apenas alguns dias, o governo da Bolívia poderá dar o sinal verde para a construção de uma gigantesca estrada ilegal que passará por uma área protegida da floresta amazônica -- mas os bolivianos estão lutando contra isso e nós podemos ajudá-los a ganhar essa causa!
O presidente Evo Morales está permitindo que empresas estrangeiras repartam a Amazônia -- cortando árvores, explorando minérios e desenvolvendo a agricultura em grande escala no fértil solo da Amazônia. Morales está a ponto de aprovar a construção de uma estrada enorme que iria alimentar ainda mais esse ataque à floresta mais importante do mundo, mesmo tendo que violar suas próprias leis para fazer isso acontecer. Mas agora que as últimas permissões estão sendo avaliadas, as vozes dos cidadãos estão pedindo que o governo busque rotas alternativas para a estrada -- e Morales está começando a sentir a pressão.
Cerca de dois mil indígenas e suas famílias saíram em uma marcha de 600km e estão apelando para que a nossa comunidade se junte a eles. Clique abaixo para assinar a urgente petição para impedir a construção da estrada e envie essa mensagem para todos. Entregaremos a petição junto com nossos amigos indígenas no final da marcha em La Paz e diretamente ao gabinete do presidente:
http://www.avaaz.org/po/save_tipnis/?tta
O Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure, mais conhecido como TIPNIS, é a jóia preciosa da Amazônia boliviana, famosa por suas árvores enormes, surpreendente vida animal e suas reservas de água fresca. Seu incrível significado natural e cultural mereceram o status de área duplamente protegida -- como parque nacional e como reserva indígena. Sendo assim, segundo a lei boliviana e internacional, os líderes indígenas são as autoridades locais dessa terra e têm o direito de serem consultados. Entretanto, Morales tem evitado abrir um processo de consulta apropriado ignorando completamente a oposição dos indígenas em relação à construção da estrada dentro da reserva. Ao mesmo tempo, alega falsamente que a estrada seria para o próprio benefício de tais comunidades.
O governo boliviano não fez nenhum estudo de rotas alternativas para essa destruidora estrada. Ao invés disso, Evo insistiu na aprovação da construção, infringindo a lei, fazendo empréstimos pesados do Brasil, e colocando em perigo a sobrevivência da sua própria população. Tudo isso para abrir uma estrada que servirá para futuras explorações minerais e petrólíferas, além de negócios de grande escala nas áreas industriais e de agricultura. O governo tem ridicularizado aqueles que se opõem a uma estreita faixa de asfalto, insistindo que é necessário conectar o resto do país à densa selva. Mas a estrada é apenas o começo da destruição -- será uma artéria envenenada designada para sugar o vivo sangue da Amazônia e de seu povo.
Por trás do discurso de desenvolvimento, a estrada servirá para a queima e exploração ilegal de madeira, crescimento de plantações de coca e fomentará a exploração de petróleo que já asfixia TIPNIS. Um estudo recente diz que 64% do parque poderá ser desflorestado até 2030 se a estrada for construída.
Depois de anos de crítica a este projeto, a pressão está chegando no seu limite com a marcha dos indígenas e dos cidadãos, e ex-ministros do governo argumentando contra o projeto. Até Alberto Acosta, um renomado líder político do Equador, já pediu a Morales que pare com a construção. Vamos juntar nossas vozes em nome da proteção da Amazônia e o respeito às comunidade indígenas -- assine essa petição urgente para impedir a construção ilegal da estrada e peça para a Bolívia encontrar alternativas criativas e seguras para promover o crescimento econômico e a integração regional:
http://www.avaaz.org/po/save_tipnis/?tta
Repetidamente, a proteção da terra, da qual todos nós dependemos, e os direitos dos povos indígenas são sacrificados por nossos governos em nome do desenvolvimento e crescimento econômico. Nossos líderes escolhem a mineração e desflorestamento ao invés da nossa própria sobrevivência -- frequentemente beneficiando empresas estrangeiras. No futuro que todos nós queremos, o meio ambiente e a vida de pessoas inocentes estão em primeiro lugar. O Presidente Evo Morales tem a chance agora de apoiar seu povo, salvar a Amazônia e repensar como deve ser o verdadeiro desenvolvimento na América Latina.
Com esperança,
Luis, Laura, Emma, Ricken, David, Diego, Caroline, Shibayan, e o restante da equipe da Avaaz
Mais informações:
Indígenas bolivianos endurecem protesto contra rodovia (O Estado de S.Paulo)
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,indigenas-bolivianos-endurecem-protesto-contra-rodovia,762127,0.htm
Na Bolívia, grupo pró-Morales ameaça marcha indígena contra estrada (Folha de S. Paulo) http://www1.folha.uol.com.br/mundo/969094-na-bolivia-grupo-pro-morales-ameaca-marcha-indigena-contra-estrada.shtml
Índios marcham em protesto contra Evo Morales na Bolívia (O Globo)
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/08/18/indios-marcham-em-protesto-contra-evo-morales-na-bolivia-925158298.asp
A rodovia da discórdia (O Estado de S.Paulo)
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-rodovia-da-discordia,758331,0.htm
BOLÍVIAMAZÔNIA
Clique aqui para impedir a construção da estrada na Amazônia!
www.avaaz.org
Em apenas alguns dias, o governo da Bolívia poderá dar o sinal verde para a construção de uma gigantesca estrada ilegal que passará por uma área protegida da Amazônia. Entretanto, os bolivianos estão lutando contra isso e nós podemos ajudá-los a ganhar essa causa! Assine a petição abaixo.
O presidente Evo Morales está permitindo que empresas estrangeiras repartam a Amazônia -- cortando árvores, explorando minérios e desenvolvendo a agricultura em grande escala no fértil solo da Amazônia. Morales está a ponto de aprovar a construção de uma estrada enorme que iria alimentar ainda mais esse ataque à floresta mais importante do mundo, mesmo tendo que violar suas próprias leis para fazer isso acontecer. Mas agora que as últimas permissões estão sendo avaliadas, as vozes dos cidadãos estão pedindo que o governo busque rotas alternativas para a estrada -- e Morales está começando a sentir a pressão.
Cerca de dois mil indígenas e suas famílias saíram em uma marcha de 600km e estão apelando para que a nossa comunidade se junte a eles. Clique abaixo para assinar a urgente petição para impedir a construção da estrada e envie essa mensagem para todos. Entregaremos a petição junto com nossos amigos indígenas no final da marcha em La Paz e diretamente ao gabinete do presidente:
http://www.avaaz.org/po/save_tipnis/?tta
O Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure, mais conhecido como TIPNIS, é a jóia preciosa da Amazônia boliviana, famosa por suas árvores enormes, surpreendente vida animal e suas reservas de água fresca. Seu incrível significado natural e cultural mereceram o status de área duplamente protegida -- como parque nacional e como reserva indígena. Sendo assim, segundo a lei boliviana e internacional, os líderes indígenas são as autoridades locais dessa terra e têm o direito de serem consultados. Entretanto, Morales tem evitado abrir um processo de consulta apropriado ignorando completamente a oposição dos indígenas em relação à construção da estrada dentro da reserva. Ao mesmo tempo, alega falsamente que a estrada seria para o próprio benefício de tais comunidades.
O governo boliviano não fez nenhum estudo de rotas alternativas para essa destruidora estrada. Ao invés disso, Evo insistiu na aprovação da construção, infringindo a lei, fazendo empréstimos pesados do Brasil, e colocando em perigo a sobrevivência da sua própria população. Tudo isso para abrir uma estrada que servirá para futuras explorações minerais e petrólíferas, além de negócios de grande escala nas áreas industriais e de agricultura. O governo tem ridicularizado aqueles que se opõem a uma estreita faixa de asfalto, insistindo que é necessário conectar o resto do país à densa selva. Mas a estrada é apenas o começo da destruição -- será uma artéria envenenada designada para sugar o vivo sangue da Amazônia e de seu povo.
Por trás do discurso de desenvolvimento, a estrada servirá para a queima e exploração ilegal de madeira, crescimento de plantações de coca e fomentará a exploração de petróleo que já asfixia TIPNIS. Um estudo recente diz que 64% do parque poderá ser desflorestado até 2030 se a estrada for construída.
Depois de anos de crítica a este projeto, a pressão está chegando no seu limite com a marcha dos indígenas e dos cidadãos, e ex-ministros do governo argumentando contra o projeto. Até Alberto Acosta, um renomado líder político do Equador, já pediu a Morales que pare com a construção. Vamos juntar nossas vozes em nome da proteção da Amazônia e o respeito às comunidade indígenas -- assine essa petição urgente para impedir a construção ilegal da estrada e peça para a Bolívia encontrar alternativas criativas e seguras para promover o crescimento econômico e a integração regional:
http://www.avaaz.org/po/save_tipnis/?tta
Repetidamente, a proteção da terra, da qual todos nós dependemos, e os direitos dos povos indígenas são sacrificados por nossos governos em nome do desenvolvimento e crescimento econômico. Nossos líderes escolhem a mineração e desflorestamento ao invés da nossa própria sobrevivência -- frequentemente beneficiando empresas estrangeiras. No futuro que todos nós queremos, o meio ambiente e a vida de pessoas inocentes estão em primeiro lugar. O Presidente Evo Morales tem a chance agora de apoiar seu povo, salvar a Amazônia e repensar como deve ser o verdadeiro desenvolvimento na América Latina.
Com esperança,
Luis, Laura, Emma, Ricken, David, Diego, Caroline, Shibayan, e o restante da equipe da Avaaz
Mais informações:
Indígenas bolivianos endurecem protesto contra rodovia (O Estado de S.Paulo)
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,indigenas-bolivianos-endurecem-protesto-contra-rodovia,762127,0.htm
Na Bolívia, grupo pró-Morales ameaça marcha indígena contra estrada (Folha de S. Paulo) http://www1.folha.uol.com.br/mundo/969094-na-bolivia-grupo-pro-morales-ameaca-marcha-indigena-contra-estrada.shtml
Índios marcham em protesto contra Evo Morales na Bolívia (O Globo)
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/08/18/indios-marcham-em-protesto-contra-evo-morales-na-bolivia-925158298.asp
A rodovia da discórdia (O Estado de S.Paulo)
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-rodovia-da-discordia,758331,0.htm
BOLÍVIAMAZÔNIA
Clique aqui para impedir a construção da estrada na Amazônia!
www.avaaz.org
Em apenas alguns dias, o governo da Bolívia poderá dar o sinal verde para a construção de uma gigantesca estrada ilegal que passará por uma área protegida da Amazônia. Entretanto, os bolivianos estão lutando contra isso e nós podemos ajudá-los a ganhar essa causa! Assine a petição abaixo.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
MANIFESTO UniNôMADE GLOBAL : RIVOLUZIONE 2.0
Vivemos em uma situação revolucionária. A crise se torna permanente, a governança imperial está falida, o eixo atlântico apresenta a corda. Afirmá-lo não representa nenhuma concessão a um pretenso mecanicismo ou a qualquer tipo de determinismo ingênuo. São as próprias lutas a demonstrar que a multidão produtiva não quer mais viver como no passado, assim como os padrões do capitalismo global também não podem mais existir como no passado. Por isso o velho mundo está ruindo. Nas ruas do Egito, da Tunísia, da Espanha, de Londres, de Jirau e do Rio de Janeiro, de Santiago do Chile, nas praças e redes globais, a revolução qualifica assim a conjuntura e abre possibilidades extraordinárias na crise do capitalismo global iniciada entre 2007 e 2008 com a quebra dos contratos subprime e que hoje / atualmente se aprofunda com a crise do débito soberano na União Europeia.
Dessa maneira, a revolução volta à ordem do dia, embora de forma diferente: não há mais “palácio de inverno” a conquistar, centros nervosos do poder a serem apropriados. Por isso falamos em revolução 2.0: pois se articula através de diferentes tipos de redes – digitais e territoriais – e irrompe nas ruas e praças das metrópoles. Em um mundo no qual produzir se torna um ato comum, a “revolução 2.0” é o contexto no qual este ato se reafirma, e atualiza a potência de generalização do desejo comum.
A crise é sistêmica e permanente. A recorrência de bolhas através das quais a riqueza se acumula e estoura indica uma nova temporalidade da crise: não se trata mais de ciclos internos à (ir)racionalidade da economia capitalista, mas de uma temporalidade constituída pelos “mundos” que tais bolhas contêm. A temporalidade da crise é definida a cada momento pelas peculiaridades e pelos paradoxos que atravessam estes “mundos”, pelo conflito entre produção livre e horizontal do comum, de um lado, e sua captura parasitária, do outro. Em um viés negativo, as bolhas representam a forma da acumulação capitalista dividir e hierarquizar o comum. No positivo, são definidas e requalificadas pela difusão das lutas.
Governança e comum. Na crise e diante dela direita e esquerda se misturam, pensando-a como uma espécie de desvio da norma, por um lado, e usando-a como ocasião para aplicar unanimemente políticas ditas de excessão, por outro. Durante a primeira fase da crise ambas desembolsaram milhares de dólares para socializar as perdas; agora desmantelam os últimos restos de welfare a fim de forçar a multidão de pobres e trabalhadores a arcar com o custo. O “estado de exceção” das economias centrais se une às políticas emergenciais dos países emergentes, de modo a submeter a sociedade aos interesses “superiores” do desenvolvimento. O “estado de exceção” é também aquele decretado pela multidão, em Londres.
Acenar com a ideia de exceção, portanto, não quer dizer afundar no catastrofismo, que nada mais é que um convite à inação política, ou mesmo reclamar a soberania estatal como freio à própria exceção. Quando a exceção se torna permanente, ela se torna normativa: e a governança se torna esta norma particular, mas não soft power, expertise e técnica de gestão que se distinguiria do governo fundado na violência. Digamo-lo então claramente: o modelo de governo soberano não acabou porque teria se tornado melhor, mas simplesmente porque as lutas o puseram em crise. A governança é um sistema de intervenção situado na base lá onde não é mais possível governar de cima para baixo. No entanto, essas intervenções alternam continuamente flexibilidade e violência (exatamente como se organizam / preparam as Olimpíadas de Londres e do Rio), com o fim de controlar e gerir aquilo que continuamente o excede: o comum. A governança, portanto, é continuamente alimentada por sua própria crise: é exatamente neste espaço, determinado pelas lutas, que se abre de modo permanente a possibilidade da ruptura e da subversão.
O trabalho da diferença devém multidão. A revolução 2.0 é animada por uma composição do trabalho vivo de tipo novo, composta de pobres precarizados e precários empobrecidos. Trata-se de um trabalho altamente fragmentado, no qual se combinam velhas e novas formas de precariedade, reunindo na mesma condição produtiva os migrantes, os pobres daquelas áreas ditas “subdesenvolvidas” (de Tunísia, Egito ou Brasil) e o proletariado cognitivo e imaterial das metrópoles “centrais” e “emergentes”. Nas lutas, nas redes e nas praças, a esta vida de precariedade se contrapõe a potência do fazer multidão, isto é, a metamorfose dos fragmentos em singularidades que cooperam a partir das próprias diferenças e as reinventam continuamente: mulheres, migrantes, homens, indigentes, negros, mestiços, jovens, gays, lésbicas, transexuais.
As forças produtivas contém as relações de produção. Atualmente se inverte a tradicional relação entre forças produtivas e relações de produção: podemos dizer que são as próprias forças produtivas que contem as relaçoes de produção, enquanto o capital variável (isto é, o trabalho vivo que coopera / e colaborativo em rede) incorpora o capital fixo – as metrópoles e as suas praças, a cultura e a natureza. O comum indica exatamente esta dimensão relacional das forças produtivas enquanto produção de formas de vida (e de saberes) por meio de formas de vida (e de saberes). Os pobres se tornam potências produtivas sem passarem pelas relações salariais; os trabalhdores continuam a ser plenamente produtivos por si mesmos, nas redes e nas praças.
Das relações salariais àquelas entre débito e crédito. Se no capitalismo industrial as variáveis centrais eram o salário e o lucro, no capitalismo cognitivo estas se tornam a renda e o rendimento. Neste regime de acumulação o trabalho se torna relacional / relação, “polinizador”, imerso em redes de autovalorização. A acumulação ocorre a posteriori, como captura – financeira – dos fluxos: o mecanismo fundamental da captura consiste em continuar a pagar exclusivamente os fragmentos de trabalho que se apresentam sob a forma tradicional do emprego. Assim, a perda do salário direto e indireto é “compensada”, paradoxalmente, pelo crescente recurso ao endividamento. Lucro e salário se transformam então em rendimento e renda. O tornar-se rendimento do lucro, através da financeirização, lança luz sobre a dimensão parasitária do capital que, para sugar o valor, acaba por matar as abelhas polinizadoras do trabalho relacional.
Diante deste parasita, a fim de que o trabalho da multidão reproduza suas condições comuns, o salário deve estender-se pelo tempo de vida total tornar-se renda, ou seja, uma bio-renda que reconheça a dimensão produtiva do trabalho “polinizador”. O direito à bancarrota por parte de precários e pobres, isto é, a recusa em pagar à dívida a bancos, firmas financeiras e Estados, é uma das práticas através das quais a multidão se reapropria da renda social e o trabalho passa por um devir-renda.
Da dialética público-privado ao comum. Finalmente passou o tempo em que o socialismo podia correr em socorro de um capitalismo em agonia. E os anos de crise mostraram que qualquer receita keynesiana ou neo-keynesiana que vise relançar o ciclo econômico através do governo público faliu. Os processos de financeirização do welfare não podem ser afrontados e derrotados no terreno público exatamente porque esta é a articulação que permite que esses processos funcionem. Por outro lado, os sujeitos da revolta inglesa ou das periferias francesas cada vez mais só experimentam do welfare público a função de controle, privados que são dos benefícios materiais e das promessas de progresso do capitalismo, do exaurimento definitivo da percepção da escola e da universidade como mecanismos de ascensão social – percepção hegemônica dos movimentos de precários e estudantes na Europa, assim como nas revoltas na Tunísia e no Norte da África, aproximando / tornando comum uma classe média empobrecida e um proletariado cuja pobreza é diretamente proporcional à produtividade: pobres precarizados e precários empobrecidos.
O desafio se coloca agora, imediatamente, no plano da reapropriação da riqueza social e logo de sua constituição em riqueza comum; isto é, no plano da construção de instituições do comum, entendidas como criação de normatividade coletiva imanente à cooperação social. Não “ilhas felizes” ou espaços de utopia no interior (ou apesar) acumulação capitalista, mas organização da autonomia coletiva e destruição dos aparatos de captura capitalista.
Em suma, não resta mais nada a defender. Transformar as mobilizações em torno do público em organização do comum: eis o caminho que indicam as acampadas espanholas e os movimentos globais. Podemos encontrar traços importantes também neste laboratório extraordinário e produtivamente ambivalente em que se constituíram o Brasil e a América Latina da década passada, na relação aberta e tensa entre movimentos e governance: como a rede, a cultura, os saberes, a universidade, os lugares de habitação e os espaços metropolitanos podem ser imaginados não como afirmação daquilo que não pertence a ninguém, mas como instrumento de autovalorização e autonomia da potência cooperativa do trabalho vivo? Como afirmação, portanto, daquilo que é produzido por todos e que pertence a todos, ou seja, da institucionalidade do comum? Aqui se travam as batalhas.
Nem brasilianização, nem europeização: Sul, Sol, Sal! Como evocado pela poesia do modernismo comunista brasileiro, a revolução 2.0 vem do Sul (da Tunísia, do Egito), consolida-se no Sol das acampadas espanholas, para então retornar ao Sul que se localiza no interior do norte e reverbera nos fogos da revolta na Inglaterra. Em Londres, hoje, como em Paris ontem, encontramos as periferias pós- e neo-coloniais, ao que os sociológos do risco chamam a “brasilianização do mundo”: o colonizado continua a ser o mau exemplo aos olhos do colonizador. Mas, visto desde o Sul, a “brasilianização do Brasil” revela um duplo paradoxo: uma vez que atualmente é no Sul que se encontram as jazidas do cresimento global, a tal “brasilianização” é na realidade uma “europeanização”. Estas jazidas, porém, não devem repetir a experiência de expropriação e homologação coloniais. Para além da brasilianização e da europeização, atualmente é na multidão de pobres – das favelas do Rio de Janeiro e das periferias de Londres – que encontramos o “Sal”: a metamorfose do próprio significado do desenvolvimento.
Os espaços constituintes do comum. A revolução 2.0 é irrepresentável: afirmam os movimentos. A potência constituinte da multidão não deve se tornar forma de governo, porque ela já exprime imediatamente as formas de vida em comum. A ocupação dos espaços metropolitanos, enquanto / na condição de espaços centrais da produção, não são um simples exercício extemporâneo de protesto / manifestação, mas laboratórios de criação de formas de vida em comum, de reapropriação de poderes e logo de nova constituição. Mas como é que esta potência constituinte pode conseguir esvaziar e romper a máquina de captura? Eis o ponto. De uma coisa estamos seguros: é no plano transnacional que o proesso constituinte é jogada. Não há futuro para as lutas nas angústias e nos limites esvaziados dos Estados-Nação. Isto vem sendo dito das acampadas espanholas até a Tunísia. E é por este motivo que – como indica a construção de uma grande jornada de mobilização transnacional no próximo dia 15 de outubro na Europa – os espaços globais só podem viver através de um processo constituinte que se encarna nos movimentos do comum e nas experimentações políticas da multidão. Por isso também, quaisquer tentativas de engenharia jurídica ou econômica, ou de reprodução em escala continental da crise irreversível da soberania estará morta ao nascer.
Quando nos anos recentes começamos a falar de multidão, de pobres e de comum, de trabalho cognitivo e biopolítica, talvez ainda não compreendêssemos com precisão a potência do que estávamos dizendo: pois as lutas hoje o explicam e aprofundam. Estes são os conceitos entendidos como ferramentas políticas. E nesta tendência que continuaremos a dar nossa contribuição para transformar a situação revolucionária em revolução, revolução 2.0: é o único caminho plausível e possível para sair da crise para além da impotência e da melancolia das esquerdas e contra a guerra entre os pobres criada pelas direitas.
Dessa maneira, a revolução volta à ordem do dia, embora de forma diferente: não há mais “palácio de inverno” a conquistar, centros nervosos do poder a serem apropriados. Por isso falamos em revolução 2.0: pois se articula através de diferentes tipos de redes – digitais e territoriais – e irrompe nas ruas e praças das metrópoles. Em um mundo no qual produzir se torna um ato comum, a “revolução 2.0” é o contexto no qual este ato se reafirma, e atualiza a potência de generalização do desejo comum.
A crise é sistêmica e permanente. A recorrência de bolhas através das quais a riqueza se acumula e estoura indica uma nova temporalidade da crise: não se trata mais de ciclos internos à (ir)racionalidade da economia capitalista, mas de uma temporalidade constituída pelos “mundos” que tais bolhas contêm. A temporalidade da crise é definida a cada momento pelas peculiaridades e pelos paradoxos que atravessam estes “mundos”, pelo conflito entre produção livre e horizontal do comum, de um lado, e sua captura parasitária, do outro. Em um viés negativo, as bolhas representam a forma da acumulação capitalista dividir e hierarquizar o comum. No positivo, são definidas e requalificadas pela difusão das lutas.
Governança e comum. Na crise e diante dela direita e esquerda se misturam, pensando-a como uma espécie de desvio da norma, por um lado, e usando-a como ocasião para aplicar unanimemente políticas ditas de excessão, por outro. Durante a primeira fase da crise ambas desembolsaram milhares de dólares para socializar as perdas; agora desmantelam os últimos restos de welfare a fim de forçar a multidão de pobres e trabalhadores a arcar com o custo. O “estado de exceção” das economias centrais se une às políticas emergenciais dos países emergentes, de modo a submeter a sociedade aos interesses “superiores” do desenvolvimento. O “estado de exceção” é também aquele decretado pela multidão, em Londres.
Acenar com a ideia de exceção, portanto, não quer dizer afundar no catastrofismo, que nada mais é que um convite à inação política, ou mesmo reclamar a soberania estatal como freio à própria exceção. Quando a exceção se torna permanente, ela se torna normativa: e a governança se torna esta norma particular, mas não soft power, expertise e técnica de gestão que se distinguiria do governo fundado na violência. Digamo-lo então claramente: o modelo de governo soberano não acabou porque teria se tornado melhor, mas simplesmente porque as lutas o puseram em crise. A governança é um sistema de intervenção situado na base lá onde não é mais possível governar de cima para baixo. No entanto, essas intervenções alternam continuamente flexibilidade e violência (exatamente como se organizam / preparam as Olimpíadas de Londres e do Rio), com o fim de controlar e gerir aquilo que continuamente o excede: o comum. A governança, portanto, é continuamente alimentada por sua própria crise: é exatamente neste espaço, determinado pelas lutas, que se abre de modo permanente a possibilidade da ruptura e da subversão.
O trabalho da diferença devém multidão. A revolução 2.0 é animada por uma composição do trabalho vivo de tipo novo, composta de pobres precarizados e precários empobrecidos. Trata-se de um trabalho altamente fragmentado, no qual se combinam velhas e novas formas de precariedade, reunindo na mesma condição produtiva os migrantes, os pobres daquelas áreas ditas “subdesenvolvidas” (de Tunísia, Egito ou Brasil) e o proletariado cognitivo e imaterial das metrópoles “centrais” e “emergentes”. Nas lutas, nas redes e nas praças, a esta vida de precariedade se contrapõe a potência do fazer multidão, isto é, a metamorfose dos fragmentos em singularidades que cooperam a partir das próprias diferenças e as reinventam continuamente: mulheres, migrantes, homens, indigentes, negros, mestiços, jovens, gays, lésbicas, transexuais.
As forças produtivas contém as relações de produção. Atualmente se inverte a tradicional relação entre forças produtivas e relações de produção: podemos dizer que são as próprias forças produtivas que contem as relaçoes de produção, enquanto o capital variável (isto é, o trabalho vivo que coopera / e colaborativo em rede) incorpora o capital fixo – as metrópoles e as suas praças, a cultura e a natureza. O comum indica exatamente esta dimensão relacional das forças produtivas enquanto produção de formas de vida (e de saberes) por meio de formas de vida (e de saberes). Os pobres se tornam potências produtivas sem passarem pelas relações salariais; os trabalhdores continuam a ser plenamente produtivos por si mesmos, nas redes e nas praças.
Das relações salariais àquelas entre débito e crédito. Se no capitalismo industrial as variáveis centrais eram o salário e o lucro, no capitalismo cognitivo estas se tornam a renda e o rendimento. Neste regime de acumulação o trabalho se torna relacional / relação, “polinizador”, imerso em redes de autovalorização. A acumulação ocorre a posteriori, como captura – financeira – dos fluxos: o mecanismo fundamental da captura consiste em continuar a pagar exclusivamente os fragmentos de trabalho que se apresentam sob a forma tradicional do emprego. Assim, a perda do salário direto e indireto é “compensada”, paradoxalmente, pelo crescente recurso ao endividamento. Lucro e salário se transformam então em rendimento e renda. O tornar-se rendimento do lucro, através da financeirização, lança luz sobre a dimensão parasitária do capital que, para sugar o valor, acaba por matar as abelhas polinizadoras do trabalho relacional.
Diante deste parasita, a fim de que o trabalho da multidão reproduza suas condições comuns, o salário deve estender-se pelo tempo de vida total tornar-se renda, ou seja, uma bio-renda que reconheça a dimensão produtiva do trabalho “polinizador”. O direito à bancarrota por parte de precários e pobres, isto é, a recusa em pagar à dívida a bancos, firmas financeiras e Estados, é uma das práticas através das quais a multidão se reapropria da renda social e o trabalho passa por um devir-renda.
Da dialética público-privado ao comum. Finalmente passou o tempo em que o socialismo podia correr em socorro de um capitalismo em agonia. E os anos de crise mostraram que qualquer receita keynesiana ou neo-keynesiana que vise relançar o ciclo econômico através do governo público faliu. Os processos de financeirização do welfare não podem ser afrontados e derrotados no terreno público exatamente porque esta é a articulação que permite que esses processos funcionem. Por outro lado, os sujeitos da revolta inglesa ou das periferias francesas cada vez mais só experimentam do welfare público a função de controle, privados que são dos benefícios materiais e das promessas de progresso do capitalismo, do exaurimento definitivo da percepção da escola e da universidade como mecanismos de ascensão social – percepção hegemônica dos movimentos de precários e estudantes na Europa, assim como nas revoltas na Tunísia e no Norte da África, aproximando / tornando comum uma classe média empobrecida e um proletariado cuja pobreza é diretamente proporcional à produtividade: pobres precarizados e precários empobrecidos.
O desafio se coloca agora, imediatamente, no plano da reapropriação da riqueza social e logo de sua constituição em riqueza comum; isto é, no plano da construção de instituições do comum, entendidas como criação de normatividade coletiva imanente à cooperação social. Não “ilhas felizes” ou espaços de utopia no interior (ou apesar) acumulação capitalista, mas organização da autonomia coletiva e destruição dos aparatos de captura capitalista.
Em suma, não resta mais nada a defender. Transformar as mobilizações em torno do público em organização do comum: eis o caminho que indicam as acampadas espanholas e os movimentos globais. Podemos encontrar traços importantes também neste laboratório extraordinário e produtivamente ambivalente em que se constituíram o Brasil e a América Latina da década passada, na relação aberta e tensa entre movimentos e governance: como a rede, a cultura, os saberes, a universidade, os lugares de habitação e os espaços metropolitanos podem ser imaginados não como afirmação daquilo que não pertence a ninguém, mas como instrumento de autovalorização e autonomia da potência cooperativa do trabalho vivo? Como afirmação, portanto, daquilo que é produzido por todos e que pertence a todos, ou seja, da institucionalidade do comum? Aqui se travam as batalhas.
Nem brasilianização, nem europeização: Sul, Sol, Sal! Como evocado pela poesia do modernismo comunista brasileiro, a revolução 2.0 vem do Sul (da Tunísia, do Egito), consolida-se no Sol das acampadas espanholas, para então retornar ao Sul que se localiza no interior do norte e reverbera nos fogos da revolta na Inglaterra. Em Londres, hoje, como em Paris ontem, encontramos as periferias pós- e neo-coloniais, ao que os sociológos do risco chamam a “brasilianização do mundo”: o colonizado continua a ser o mau exemplo aos olhos do colonizador. Mas, visto desde o Sul, a “brasilianização do Brasil” revela um duplo paradoxo: uma vez que atualmente é no Sul que se encontram as jazidas do cresimento global, a tal “brasilianização” é na realidade uma “europeanização”. Estas jazidas, porém, não devem repetir a experiência de expropriação e homologação coloniais. Para além da brasilianização e da europeização, atualmente é na multidão de pobres – das favelas do Rio de Janeiro e das periferias de Londres – que encontramos o “Sal”: a metamorfose do próprio significado do desenvolvimento.
Os espaços constituintes do comum. A revolução 2.0 é irrepresentável: afirmam os movimentos. A potência constituinte da multidão não deve se tornar forma de governo, porque ela já exprime imediatamente as formas de vida em comum. A ocupação dos espaços metropolitanos, enquanto / na condição de espaços centrais da produção, não são um simples exercício extemporâneo de protesto / manifestação, mas laboratórios de criação de formas de vida em comum, de reapropriação de poderes e logo de nova constituição. Mas como é que esta potência constituinte pode conseguir esvaziar e romper a máquina de captura? Eis o ponto. De uma coisa estamos seguros: é no plano transnacional que o proesso constituinte é jogada. Não há futuro para as lutas nas angústias e nos limites esvaziados dos Estados-Nação. Isto vem sendo dito das acampadas espanholas até a Tunísia. E é por este motivo que – como indica a construção de uma grande jornada de mobilização transnacional no próximo dia 15 de outubro na Europa – os espaços globais só podem viver através de um processo constituinte que se encarna nos movimentos do comum e nas experimentações políticas da multidão. Por isso também, quaisquer tentativas de engenharia jurídica ou econômica, ou de reprodução em escala continental da crise irreversível da soberania estará morta ao nascer.
Quando nos anos recentes começamos a falar de multidão, de pobres e de comum, de trabalho cognitivo e biopolítica, talvez ainda não compreendêssemos com precisão a potência do que estávamos dizendo: pois as lutas hoje o explicam e aprofundam. Estes são os conceitos entendidos como ferramentas políticas. E nesta tendência que continuaremos a dar nossa contribuição para transformar a situação revolucionária em revolução, revolução 2.0: é o único caminho plausível e possível para sair da crise para além da impotência e da melancolia das esquerdas e contra a guerra entre os pobres criada pelas direitas.
domingo, 4 de setembro de 2011
DA LEI SINDE À ANA DE HOLLANDA: A RESISTÊNCIA DO COMUM
Produção coletiva do grupo militante DIREITO DO COMUM, boa leitura.
Em 6 de março de 2011, na Espanha, foi promulgada a “Lei Sinde”, pelo que ficou conhecida a disposição 43ª da Lei da Economia Sustentável (LES), --- um diploma legal mais abrangente, em vigor desde 2009. Segundo o governo socialista encabeçado por José Luís Zapatero, a LES objetiva modernizar a economia espanhola, principalmente os setores financeiro, empresarial e do meio ambiente. Já a seção citada da LES, a Lei Sinde[1], visa a regulamentar a internet sob o paradigma da proteção à propriedade sobre o imaterial. Na ocasião, o projeto foi aprovado em consenso entre os partidos, unificando o espectro ideológico institucionalizado, num acordo das forças políticas ditas de esquerda (o governista Partido Socialista Operário Espanhol - PSOE) e de direita (o oposicionista Partido Popular - PP).
A campanha governamental pela Lei Sinde foi articulada politicamente pela ministra da cultura Ángeles González-Sinde. Nomeada por Zapatero em abril de 2009, a ministra defendeu que o novo dispositivo era indispensável para viabilizar a economia da cultura na Espanha. Isto não poderia ocorrer sem um efetivo controle estatal sobre os conteúdos circulantes na internet. O fundamento social da lei é que, descontrolada, a internet inviabiliza a exploração econômica da propriedade imaterial, com prejuízos irreparáveis ao desenvolvimento nacional, à geração de empregos, à taxação da atividade e à investigação de crimes cibernéticos. É curioso como, no preâmbulo da Lei Sinde, seja feita referência à crise financeira internacional, disparada em 2008 nos EUA. Para enfrentar a recessão, propõe-se reorganizar a economia espanhola a partir da propriedade intelectual, reconhecendo uma nova fase de oportunidades de desenvolvimento para o país, imposta pela própria dinâmica contemporânea do capitalismo.
Basicamente, num cenário de centralidade do valor imaterial, --- logo cultural, na acepção de cultura como processo social imanente de criação, combinação e propagação de valores[2] --- dos produtos e processos, torna-se estratégico ao estado disciplinar o fluxo de informações, conhecimentos, músicas, imagens, livros, de todo o tipo de conteúdo passível de apropriação e lucro sob o modelo do copyright. Efetivar o direito autoral e impedir a cópia livre garantiriam a sustentabilidade de um setor econômico dilapidado pela ação generalizada dos piratas virtuais.
Não admira ter se constituído em 2008 uma associação formada pelas grandes empresas culturais e as sociedades de gestão dos direitos de autor (isto é, escritórios para a cobrança sistemática), a “Coalizão dos Criadores”. Nos últimos três anos, esse grupo de pressão conquistou amplo espaço na mídia espanhola, propagando um discurso que buscava apresentar uma suposta aproximação entre o “crime organizado” e o compartilhamento em redes P2P (“ponto-a-ponto”, via programas como emule outorrent), o download direto e o streaming.
Na prática, a Lei Sinde estabelece a prerrogativa de o governo requerer informações pessoais de usuários aos prestadores de serviços da internet, --- servidores e companhias de telecomunicações, --- quando da suspeita/denúncia de violação de direitos relativos à propriedade sobre o imaterial. Confere ao ministério da cultura a competência para exercer um papel por assim dizer de polícia autoral, a fim de fiscalizar e zelar pelo patrimônio de terceiros. Na prática, mediante uma comissão de especialistas, o ministério espanhol poderá “adotar as medidas necessárias para que se interrompa a prestação de um serviço que vulnere direitos da propriedade intelectual, ou para remover os conteúdos que vulnerem os citados direitos (...)”.
Mais do que uma decisão circunscrita à realidade espanhola, a entrada em vigor da Lei Sinde se integra ao marco regulatório da internet dos estados-nações da Eurozona. Com efeito, a Lei Sinde nacionaliza uma diretiva aprovada quase por unanimidade (510 a favor, 49 contrários) pelo Parlamento Europeu, em novembro de 2009[3]. De fato, o ímpeto legislativo espanhol não destoa de seus correspondentes francês[4] e britânico[5]. Nessa resolução, no âmbito do novo “Pacote das Telecomunicações” para a União Européia, autoriza-se o corte do acesso a usuários que violem os direitos autorais. Um dos pontos mais polêmicos dessa decisão-quadro européia consiste em dispensar a prévia autorização judicial para a sanção, dando celeridade ao processo administrativo e menos recursos --- ou praticamente nenhum --- ao cidadão usuário.
Outra peça importante do quebra-cabeças foi revelada pelo Wikileaks, a partir da publicação de documentos sigilosos (os cables) da diplomacia americana. Segundo a reportagem do El País[6], o governo americano de Obama pressionou o governo espanhol de Zapatero por um endurecimento na política de controle da internet e do fluxo de conteúdos protegidos pela propriedade. Em síntese, a embaixada norte-americana ameaça o governo espanhol de incluir a Espanha numa “lista negra” do comércio exterior, devido à postura negligente e condescendente com a pirataria e o uso livre da internet. E sugere que o premiê espanhol siga o exemplo de seu colega francês, Nicolas Sarkozy, adotando uma postura mais inflexível.
É sintomático que os Estados Unidos, --- abrigo dos maiores conglomerados da indústria cultural do planeta, --- acuse o governo de Zapatero de “promover uma política cultural através da internet”. Os cables desencobertos pelo Wikileaks também revelam como a embaixada americana coordenou-se em sua campanha com grandes empresas das telecomunicações, como a Telefônica, bem como mega-distribuidoras de filmes, como a Motion Pictures.
Por um lado, a promulgação da Lei Sinde reproduziu a tendência européia, quiçá mundial, de enrijecer a disciplina estatal sobre a internet e, tendencialmente, punir o compartilhamento e a circulação livre de conteúdos. Por outro, no entanto, o que sucedeu na Espanha, como resposta social à nova legislação, adquiriu um caráter inédito e singular. Imediatamente depois da aprovação da Lei Sinde, intensificou-se uma mobilização já ativa desde o anteprojeto. Tendo começado vigorosamente nas redes sociais e coletivos virtuais, o movimento não demorou a transbordar nos espaços públicos.
Em abril de 2011, ocorreram várias passeatas a favor do “Manifesto em defesa dos direitos fundamentais da internet”[7]. Redigido coletivamente, o documento discorda da política dos estados europeus em reprimir a cópia livre e controlar a internet, sustentando em contrapartida “uma verdadeira reforma do direito de propriedade intelectual orientada à sua finalidade: devolver à sociedade o conhecimento, promover o domínio público e limitar os abusos das entidades gestores [dos direitos autorais]”.
A indignação ante a Lei Sinde alimentou a insatisfação contra o governo Zapatero e, em última instância, contra o sistema político-eleitoral como um todo. Solapado de bases sociais pela incapacidade de evitar que os cidadãos pagassem a conta pela crise financeira, a revolta diante da Lei Sinde lançou ainda mais centelhas sobre o barril de pólvora da sociedade espanhola. Já antes da promulgação, desde pelo menos 2007, grupos como o Partido Pirata e a Izquierda Unida se contrapunham vigorosamente às tentativas de estados esquadrinharem policialescamente a internet e criminalizarem os seus usuários. Contudo, com a aprovação da Lei Sinde, a partir de março de 2011, praticamente todos os movimentos sociais e/ou organizações ativas de esquerda incorporaram os direitos da rede, o compartilhamento e o livre acesso à cultura via internet, como pautas centrais.
Na medida em que o trâmite legislativo reuniu esquerda e direita partidárias (PSOE e PP), ganhou força o movimento autonomista, que passou a rejeitar em bloco o sistema representativo e sua dinâmica bipartidária no país. O principal aglutinante desse clima de desencanto deu-se com o movimento #NoLesVote, que promoveu a abstenção nas eleições gerais de maio. A oposição à Lei Sinde contribuiu significativamente para engrossar o caldo político-cultural, que viria a culminar no Movimento de 15 de maio (15-M).
A multidão de indignados saiu às ruas, ocupou intensivamente as praças e reinventou modos de produzir e organizar-se numa política cidadã[8]. Clamou por democracia real já, slogan principal dos protestos, logo disseminados por centenas de cidades européias e além. Entre as propostas concretas do movimento, destaca-se: “7. Liberdades Cidadãs. Não ao controle à internet. Abolição da Lei Sinde. Proteção da liberdade de informação e do periodismo de investigação.”[9]
***
No Brasil, há muitas semelhanças com o processo histórico em curso a partir da Espanha. Desde que tomou posse, em 1º de janeiro de 2011, como ministra do governo Dilma Rousseff, Ana de Hollanda tem atuado de maneira similar à sua colega espanhola, a ministra Sinde. Com Hollanda, o MinC igualmente se colocou como pivô para uma campanha política que privilegia a lógica proprietária na cultura, marcada fortemente pelo direito autoral. Sob o argumento que não há alternativa ao modelo capitalista concentrador neoliberal, seria preciso assegurar a vedação da cópia e a exploração da propriedade sobre o imaterial. Somente assim se poderia deflagrar um novo ciclo de aproveitamento das oportunidades do capitalismo pós-industrial, com consequentes geração de empregos e substituição das importações, --- ou seja, um novo ciclo de exploração do trabalho agora imaterial.
Foi sintomática, em janeiro, uma das primeiras medidas: a esconjuração por Ana de Hollanda dos sites do ministério do selo Creative Commons, --- uma licença mais aberta que o copyright tradicional, assumida como estratégica no governo anterior[10]. Demais, a ministra assumiu uma postura de desconfiança sistemática ante os programas instaurados pela gestão de seus predecessores, durante o governo Lula (2003-10).
Foram seguidamente colocadas para escanteio pelo discurso oficial, as políticas culturais baseadas no compartilhamento de conteúdos e gestão transversal em rede, sob as legendas da “Cultura Viva” e “Cultura Digital” (Pontos de Cultura, Pontos de Mídia Livre, Ação Griô, editais transversais etc). Em praticamente todas as aparições públicas, a ministra e os novos gestores enfatizaram a necessidade de assegurar os direitos autorais e a sustentabilidade. Por este último termo, referiu-se à importância de investir recursos em indústrias culturais nacionais já estabelecidas, que empregam profissionais e são capazes de autossustentar-se (apesar da contradição gritante do raciocínio), bem como de integrar novos setores criativos (gastronomia, videogame, design, decoração etc) ao paradigma da propriedade imaterial.
Em suma, a chegada da ministra Ana de Hollanda simbolizou a substituição do discurso da cultura livre e digital, --- tão arraigado nas gestões de Gilberto Gil (2003-08) e Juca Ferreira (2009-10), --- pelo da economia criativa[11], um modelo herdado do governo neoliberal de Tony Blair nos anos 1990, que organiza a atividade econômica cultural na exploração do copyright.
Enquanto, na Espanha, existe a “Coalizão dos Criadores”, aqui há o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Instaurado na época da ditadura pela Lei n.º 5.988, de 1973, essa instituição privada de gestão coletiva monopoliza a exploração da propriedade intelectual na música. Constituído por uma tropa de choque de advogados, fiscais e relações públicas[12], o ECAD tem o poder de estabelecer critérios e tabelas de cobrança, e efetivamente cobrar a exibição pública de músicas – supostamente limitando-se àquelas inscritas sob seu registro. Isto vale em espetáculos ao vivo, estabelecimentos comerciais[13], nas TV, nas rádios, no cinema[14], em peças de teatro, no youtube, em blocos de carnaval de rua, e até em festas particulares, como casamentos e aniversários.
Em 2010, o ECAD bateu o recorde de arrecadação, na casa das centenas de milhões de reais, dos quais R$ 346 milhões foram distribuídos aos autores. A sistemática para a distribuição também é decidida “soberanamente” pelo ECAD, ou seja, num processo interno sem supervisão estatal direta, onde as seis sociedades gestoras efetivas[15] repartem os ganhos. O processo de arrecadação e distribuição termina por privilegiar uma minoria de medalhões fabricados pela indústria cultural, em detrimento da cauda longa de artistas, produtores e trabalhadores da cultura, que não recebem quase nada ou precisamente nada. Como, amiúde, os estabelecimentos e shows repassam a taxa de direitos autorais aos próprios artistas, o sistema brasileiro acaba funcionando como um “bolsa família ao contrário”, concentrando renda no topo da pirâmide do show business.[16]
Assim como seu correlato na Espanha, o ECAD integra unha-e-carne a campanha contra a democratização da cultura e o compartilhamento livre na internet. Não por acaso, a reforma da Lei de Direitos Autorais (LDA) brasileira, --- a Lei n.º 9.610, de 1998, extremamente rígida e herdeira dos anos FHC, --- foi retirada da tramitação legislativa pela ministra. Alegando insuficiente consulta pública, apesar do extensivo processo presencial e online de debate e formulação[17], a atual ministra resolveu submeter novamente o projeto a uma comissão de especialistas jurídicos (mais uma vez em contradição argumentativa), a fim de rever a flexibilização dos direitos autorais[18]. Enquanto isso, designou como nova diretora de direitos autorais uma advogada notória opositora à flexibilização dos direitos autorais, ligada ao ECAD[19]. Até a presente data, a reforma encontra-se obstruída em impasse político, de qualquer modo atendendo à agenda conservadora do MinC do governo Dilma.
Se, na Espanha, a Lei Sinde adensou a mobilização das redes até o ponto de ebulição do 15-M, colocando em marcha pessoas e grupos até então alinhadas ao PSOE de Zapatero; no Brasil, também houve uma sonora resposta social, inclusive dividindo fileiras dentro das próprias bases sociais do governo. As primeiras atitudes do MinC sinalizando a nova orientação movimentaram as redes sociais e coletivos político-culturais[20]. Circularam textos e discursos, articularam-se alianças e contratendências, para opor-se à guinada política do ministério[21]. Centenas de coletivos, organizações e ativistas assinaram uma Carta Aberta à Presidenta Dilma Rousseff[22] pedindo a continuidade e retomada das agendas político-culturais do governo anterior. Na esteira dessa carta, foi lançada a rede MobilizaCultura[23], que hoje reúne insatisfeitos e concentra as ações de resistência aos rumos conservadores do governo. A pauta da cultura livre terminou por alimentar um ciclo de passeatas no primeiro semestre de 2011, especialmente a Marcha da Liberdade, organizada em mais de 40 cidades brasileiras[24]. Nesse contexto de protestos ao novo MinC, merecem ainda ser citadas as caravanas dos Pontos de Cultura à Brasília, a ocupação da FUNARTE em São Paulo, e a pressão pela instauração de uma nova CPI para investigar a falta de transparência e cartelizarão do ECAD. O que, de fato, se concretizou no Senado Federal, em junho, contando 27 assinaturas de senadores[25].
Se é possível apontar uma distinção positiva entre a Espanha e o Brasil, está no fato de o governo brasileiro, ao contrário do espanhol, não ter encampado o discurso vigilantista de criminalização dos cidadãos na internet. Por aqui, a tentativa de identificar e punir os usuários de download, streaming e compartilhamento P2P é capitaneada pela oposição. Trata-se do projeto retomado em junho deste ano pelo deputado federal Eduardo Azeredo, do PSDB[26], especialmente em virtude dos recentes ataques à sítios eletrônicos de órgãos do governo brasileiro, enfrentando massivo movimento organizado de resistência, sob o slogan Mega-Não[27].
Na mesma esteira da legislação espanhola, o projeto de lei, que ficou conhecido como “Lei Azeredo”, estabelece a obrigatoriedade dos provedores de acesso àinternet manterem um registro das informações trocadas através de seus sistemas e até mesmo de comunicar às autoridades estatais qualquer informação em seu poder que traga indícios de um possível crime, em uma clara violação à privacidade dos usuários de tais serviços, além de tornar ilegal a recente e importante prática de certos governos de se criar redes públicas de acesso sem fio (o “wi-fi”).
Além de trazer uma vigilância permanente sobre as trocas de informações pela rede mundial de computadores, a “Lei Azeredo” acrescenta diversos novos crimes ao já extenso rol de delitos previstos pela legislação penal brasileira e sem atenção as particularidades do mundo da informática. Exemplificando, a mera produção do chamado “código malicioso” é punida com pena de um a três anos de prisão, embora esta criação faça parte de pesquisa na área de segurança de sistemas examente com o intuito de prevenir ataques que de fato visem a produção de danos concretos. Destaca-se que a lesão corporal, prevista no Código Penal, traz uma pena de três meses a um ano. Ou seja, para o legislador seria mais grave criar um código que poderiam, em tese, ser utilizado para produzir danos a sistemas informacionais que lesionar a integridade física de uma pessoa.
Apesar do impulso inicial dado ao projeto em virtude dos ataques mencionados e da cultura do medo diante das potencialidades da internet, repercutida principalmente pela grande imprensa, a “Lei Azeredo” ainda não reuniu o consenso entre esquerda e direita, como sucedeu com a Lei Sinde. Em audiência pública realizada em julho na Câmara dos Deputados, parlamentares da base defenderam a necessidade de se aprovar o Marco Civil da Internet antes que se passasse uma lei criminalizando condutas praticadas através deste meio e seu projeto foi encaminhado para a Câmara em agosto do presente ano.[28].
O projeto de Marco Civil, diferentemente da “Lei Azeredo”, garante a inviolabilidade e o sigilo das comunicações via internet, apesar de deixar aberta a possibilidade para que outras leis regulem o fornecimento dos registros de conexão para autoridades estatais, como o faz a “Lei Azeredo”. Resta ver qual será o futuro deste recente debate legislativo e pressionar para que o resultado final não seja a mera incorporação dos interesses do capital transnacional na legislação nacional.
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Mais do que um problema jurídico complexo, o que está em jogo na questão dos direitos autorais ou, mais amplamente, na propriedade sobre o imaterial, é a própria forma de organizar a sociedade e seu modo de produção de bens e valores.
De um lado, um modelo que privilegia a separação da produção social em lotes e mercadorias, com preço, devidamente quantificadas pelo dinheiro, exploradas oligopólica e sistematicamente por grandes conglomerados e empresas. É o discurso “cultura & mercado”, pra quem a economia da cultura constitui um “setor” e seus trabalhadores uma “classe”, encabeçados pela superior “classe artística”. Estratégia que induz a escassez para vender a monocultura.
Esse discurso amolda-se a uma nova matriz do capitalismo global, --- concomitante às matrizes industrial e agrário-feudal, ainda incidentes --- baseado na exploração do trabalho imaterial e na captura da produtividade difusa, imanente às redes sociais (online ou não) e à colaboração transversal.
Trata-se da reedição de uma forma jurídica desenvolvida na baixa idade média, a propriedade privada, sob nova roupagem e nova direção. Mutatis mutandis, assim como o estado e o direito estatal foram os principais catalisadores para a cultura proprietária, primeiro europeia, depois planetária --- quer na sua salvaguarda quase sagrada, quer na exploração do trabalho combinado social --- atualmente, a propriedade sobre o imaterial passa pelo mesmo processo de formalização jurídica e repressão estatal.
Isso porque, conforme Marx[29], a conversão do dinheiro em capital e a extração de mais-valor pressupõem a concentração quantitativa de meios, recursos e força de trabalho, nas mãos de quem comanda o processo de produção, bem como a construção de um aparato político-jurídico que sustente o conjunto. Para tanto, é necessário que, em dado momento, essa convergência de capital e força de trabalho nas mãos de poucos capitalistas aconteça. É o que Marx chama de “acumulação primitiva”: a separação do trabalhador das condições materiais para produzir. O filósofo procura demonstrar que não foi uma transição pacífica, mas um desapossamento sistemático. Isto induziu uma situação de precariedade, onde a população vadia se via constrangida a vender-se a si próprio, --- a sua capacidade produtiva, --- como mercadoria, ou seja, ingressar na relação social entre o capital que comanda e o trabalho subordinado. Bem ao contrário, os trabalhadores que se libertaram da servidão e da coerção corporativa tornaram-se comerciantes de si mesmos: “depois que lhes roubaram todos os seus meios de produção e os privaram de todas as garantias que as velhas instituições feudais asseguravam à sua existência”[30], num violento processo expropriatório.
Pode-se perceber, então, que a acumulação primitiva tem lugar no momento de transformação da exploração feudal em exploração capitalista e se desdobra em diversos processos sociais opressivos e desiguais: “deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários destituídas de direitos.”[31] Neste momento, surge o pauperismo como conseqüência do processo de acumulação primitiva e de expropriação violenta do lavrador. A enxurrada de pobres nas cidades se tornou um grave problema social, diretamete decorrente da divisão social do trabalho introjetada pelo regime capitalista de acumulação.
Em síntese, a classe dominante emergente forja os meios necessários para coagir a fração majoritária a uma situação de inferioridade estratégica, onde as relações de poder mediadas pelo estado passam a exercer o papel de controle social.[32] Atualmente, do mesmo modo que o direito foi posto pra consolidar gigantescas propriedades agrárias ou industriais, --- latifúndios ou cartéis fabris internacionais, --- agora se tenta instaurar uma nova Lex mercatoria, de dimensões civis e penais, capaz de assegurar o funcionamento do capitalismo contemporâneo, sua divisão excludente do trabalho e seu regime desigual de acumulação de bens e riquezas.
Como defendia o jurista da revolução russa, Eugênio Pashukanis, não adianta simplesmente ocupar as instâncias estatais para conferir-lhes um sentido libertador. Faz-se necessário desarticular as próprias estratégias de mercantilização e privatização, intrínsecas ao direito vigente, que precisam das categorias, formas e institutos estatais. Neste sentido, imprescindível restar claro que a disputa não é pelo conteúdo das leis que regularão a propriedade imaterial; ao contrário, a luta é pelo questionamento do próprio tratamento legislativo-jurídica da propriedade imaterial, em nome de sua proteção e lucratividade. Afinal, a crítica deve recair especialmente naforma (no sentido dialético emprestado por Marx, como momento qualificado do processo dinâmico de contradições internas) da regulação legal, para além dos conteúdos das leis.
Nesse sentido, a importância de investir no outro lado desse jogo antagonístico. Se o movimento dos indignados 15-M ensina algo, é como começar a constituir uma democracia fora dos critérios e parâmetros viciados da representação moderna, asfixiada, --- pelo menos certamente na Europa, --- entre uma direita fascistizante e uma esquerda desenvolvimentista. Uma resposta estaria em apostar no menos pior entre os mundos da representação. Outra, mais radical, mais pashukaniana, pode ser considerar as duas piores, e apostar noutro modo de produzir e viver a liberdade.
É aí que o outro mundo surge como inovação radical, onde se resiste produzindo o comum das relações, compartilhando, remixando, reconstruindo as narrativas sociais e políticas. Uma outra modernidade, onde a cultura não é um setor, um mundinho, e o artista não é um profissional, uma “categoria”; mas sim onde a cultura qualifica o mundo, e onde todos somos criadores-produtores de todas as categorias sociais. A cultura é mesmo transversal a todos os processos sociais e não há dinheiro capaz de quantificá-la na sua qualidade irredutível, no seu excesso social sempre em transbordamento das mercadorias e propriedades.
Por isso, outro ensinamento do 15-M está em mostrar como a forma comum de organizar e produzir, própria das redes colaborativas da cultura, tem aplicação imediata no movimento social. Pode-se vislumbrar, nesse sentido, a articulação das marchas da liberdade de 2011, tão afinadas com as lutas LGBT, feministas e pela legalização das drogas, com movimentos sociais mais “duros“, como da moradia, do trabalho informal, das cotas raciais/sociais na educação pública.
Em conclusão, é certo que não é mais possível, hoje, acatar passivamente um discurso insultante que adjetiva milhões de internautas como criminosos. Por terem a audácia de compartilhar livremente o saber socialmente produzido, por nutrirem a utopia de viver num mundo em que não se precise de mediações entre os valores e os produtores de valores. Como se fossem apenas obscuros coletivos hackers ou oportunistas piratas a fazer download de músicas e filmes, xerocar livros e recombinar incessantemente todo o tipo de conteúdo cultural. E não a própria sociedade, que constituiu nas redes um movimento social irrefreável e irreversível, com autonomia global, organizado sem centro, sem bandeira, sem discurso unificado, mas nem por isso menos potente ou efetivo.
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2011.
GRUPO DIREITO DO COMUM.
REFERÊNCIAS:
(somente as não citadas nas notas de rodapé)
BOUTANG, Yann Moulier. Capitalisme cognitif. La nouvelle grande transformation. 1a ed. Paris: 2008, ed. Multitudes.
COCCO, Giuseppe. A crise do MinC no governo Dilma: levar a sério a questão do valor. 2011, artigo in Revista Global Brasil n.º 14
http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676
CRIBARI, Isabella (org.). Produção cultural e propriedade intelectual. 1a ed. PE: 2005, Massangana (Fundação Joaquim Nabuco).
LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial. 1a ed. RJ: 2001, DP&A.
MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858: Esboços da crítica da economia política. Trad.: Mario Duayer (supervisão editorial e apresentação), Nélio Schneider, Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman, 1a ed., SP: 2011, Boitempo.
ORTELLADO, Pablo. Capitalismo e cultura livre. 2011, artigo in blog pessoal: (http://www.gpopai.org/ortellado/2011/06/capitalismo-e- cultura-livre/)
PASHUKANIS, Eugênio. Teoria geral do direito e marxismo. SP: 1989, Renovar.
[1] A Lei Sinde pode ser consultada na íntegra em http://boe.es/boe/dias/2011/03/05/pdfs/BOE-A-2011-4117.pdf (p. 190 e ss.)
[2] Para a concepção social e socializante de cultura, professada pelo presente texto, remetemos aos artigos de Idelber Avelar, na Revista Fórum (http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/07/04/sobre-o-conceito-de-cultura/) e Rodrigo Guéron, na Revista Global Brasil (http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=756)
[3] Conforme reportagem do El País: http://www.elpais.com/articulo/tecnologia/Parlamento/Europeo/aprueba/unanimidad/directiva/acceso/Internet/elpeputec/20091124elpeputec_5/Tes
[4] http://www.lavanguardia.com/internet-y-tecnologia/noticias/20090512/53701782923/francia-aprueba-la-ley-para-cortar-internet-a-quienes-realicen-descargas-ilegales.html
[5]http://www.elpais.com/articulo/internet/Reino/Unido/estudia/aplicar/canon/conexiones/banda/ancha/elpeputec/20090129elpepunet_6/Tes
[6]http://www.elpais.com/articulo/espana/EE/UU/ejecuto/plan/conseguir/ley/antidescargas/elpepuesp/20101203elpepunac_52/Tes
[7] http://www.rtve.es/contenidos/documentos/derechos-fundamentales-internet.pdf
[8] Sobre as formas de organização e decisão internas às ocupações, vale a leitura do artigo do filósofo italiano autonomista Antônio Negri, quando de sua vivência pessoal dos acontecimentos, disponível em versão traduzida no portal Outras Palavras:http://www.outraspalavras.net/2011/06/08/15m-redes-e-assembleias-por-antonio-negri/
[9] O “Documento Transversal” com as propostas completas do Democracia Real Ya!em http://www.democraciarealya.es/documento-transversal/
[10] Sobre o assunto, contestando a concepção que o Creative Commons atrapalha o interesse da cultura nacional, o artigo de Pablo Ortellado em seu blog:http://www.gpopai.org/ortellado/2011/02/os-nacionalistas-da-cultura-%e2%80%9ccreative-commons-e-entreguismo%e2%80%9d/
[11] A diferença de paradigma entre o MinC dos governos Lula e Dilma é o tema de dois artigos aqui sugeridos, que contrapõem economia criativa e cultura livre/economia social da cultura: http://www.gpopai.org/orthttp://www.mobilizacultura.org/2011/05/13/de-que-ana-de-hollanda-tem-medo/ellado/2011/04/a-economia-criativa-e-a-economia-social-da-cultura/ (por Pablo Ortellado) e http://www.mobilizacultura.org/2011/05/13/de-que-ana-de-hollanda-tem-medo/ (por Bruno Cava). Também recomendamos o artigo de Bárbara Szaniecki e Gerardo Silva ao Portal Outras Palavras, sobre a aplicação do modelo da economia criativa da cultura, no Rio de Janeiro: http://www.outraspalavras.net/2010/09/28/rio-dois-projetos-para-uma-metropole-conhecimento/
[12] A “taxa de administração” consome uma fatia próxima dos 30% do total arrecadado em todo o Brasil, uma proporção que vem crescendo ao longo dos anos.
[13] Inclusive as músicas ambientais, as “musiquinhas” que tocam em consultórios, academias, hotéis, mercados etc.
[14] À taxa de 2,5% sobre todos os ingressos vendidos em território nacional, como informam os próprios bilhetes.
[15] Das quais duas mantêm maioria absoluta, mais de 60% da participação e poder decisório: a União Brasileira de Compositores (UBC) e a ABRAMUS (Associação Brasileira de Música e Artes), que, por sua vez, sofrem influência, senão ingerência direta, de seus grandes clientes, os Big Four da indústria cultural americana: Sony, Warner, EMI e Universal (onde cai por terra qualquer associação do ECAD e da atual LDA aos “interesses da cultura brasileira“). Boa síntese do quem é quem no ECAD no blog de Flávio Loureiro: http://blogdoflavioloureiro.blogspot.com/2011/02/quem-e-quem-no-ecad.html
[16] Sobre a “cartelização” do ECAD, artigo da Revista Carta Capital de agosto de 2011: http://www.cartacapital.com.br/politica/ministerio-da-justica-aponta-atuacao-cartelizada-do-ecad
[17] Consultar, por exemplo, http://www.gpopai.usp.br/cm/
[18] Vale remetermos a ainda outro texto de Pablo Ortellado, em crítica à reapreciação do projeto, sob novas regras, pelo MinC: http://www.gpopai.org/ortellado/2011/04/revisao-da-revisao-governo-de-continuidade/
[19] http://www.movimentoculturabrasil.com.br/blog/?p=3853
[20] Bom resumo dos primeiros embates entre as posições políticas foi compilado por Rodrigo Savazoni, em http://www.trezentos.blog.br/?p=5580
[21] Bastante sintomático da oposição “interna” aos retrocessos do MinC do governo Dilma foi o artigo a quatro mãos, pela deputada federal Manuela D´Ávila (PCdoB/RS) e Francisco Solaña, do Gabinete Digital do governo gaúcho de Tarso Genro (PT):http://www.trezentos.blog.br/?p=5707
[22] http://www.mobilizacultura.org/site-em-construcao-2/carta-a-excelentissima-presidenta-dilma-roussef/
[23] http://www.mobilizacultura.org/
[24] http://www.marchadaliberdade.org/
[25] http://www.mobilizacultura.org/2011/05/11/conheca-os-27-senadores-que-assinaram-pela-abertuda-da-cpi-do-ecad/
[26] http://www.cartacapital.com.br/politica/o-ai-5-digital
[27] http://meganao.wordpress.com/
[28] Texto completo do projeto de lei em http://www.gpopai.org/ortellado/wp-content/uploads/2011/08/marco_civil.pdf Para uma discussão crítica preliminar do tema, sugerimos outro texto de Pablo Ortellado, em seu blog: http://www.gpopai.org/ortellado/2011/08/rapido-comentario-sobre-a-versao-final-do-marco-civil-da-internet/
[29] Marx. O Capital (Rio de Janeiro, 2009), p. 827-830.
[30] Ibid. p. 829
[31] Ibid, p. 830.
[32] Quinney. Critique of Legal Order (Londres, 2002), p. 98.
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Wallace
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Em 6 de março de 2011, na Espanha, foi promulgada a “Lei Sinde”, pelo que ficou conhecida a disposição 43ª da Lei da Economia Sustentável (LES), --- um diploma legal mais abrangente, em vigor desde 2009. Segundo o governo socialista encabeçado por José Luís Zapatero, a LES objetiva modernizar a economia espanhola, principalmente os setores financeiro, empresarial e do meio ambiente. Já a seção citada da LES, a Lei Sinde[1], visa a regulamentar a internet sob o paradigma da proteção à propriedade sobre o imaterial. Na ocasião, o projeto foi aprovado em consenso entre os partidos, unificando o espectro ideológico institucionalizado, num acordo das forças políticas ditas de esquerda (o governista Partido Socialista Operário Espanhol - PSOE) e de direita (o oposicionista Partido Popular - PP).
A campanha governamental pela Lei Sinde foi articulada politicamente pela ministra da cultura Ángeles González-Sinde. Nomeada por Zapatero em abril de 2009, a ministra defendeu que o novo dispositivo era indispensável para viabilizar a economia da cultura na Espanha. Isto não poderia ocorrer sem um efetivo controle estatal sobre os conteúdos circulantes na internet. O fundamento social da lei é que, descontrolada, a internet inviabiliza a exploração econômica da propriedade imaterial, com prejuízos irreparáveis ao desenvolvimento nacional, à geração de empregos, à taxação da atividade e à investigação de crimes cibernéticos. É curioso como, no preâmbulo da Lei Sinde, seja feita referência à crise financeira internacional, disparada em 2008 nos EUA. Para enfrentar a recessão, propõe-se reorganizar a economia espanhola a partir da propriedade intelectual, reconhecendo uma nova fase de oportunidades de desenvolvimento para o país, imposta pela própria dinâmica contemporânea do capitalismo.
Basicamente, num cenário de centralidade do valor imaterial, --- logo cultural, na acepção de cultura como processo social imanente de criação, combinação e propagação de valores[2] --- dos produtos e processos, torna-se estratégico ao estado disciplinar o fluxo de informações, conhecimentos, músicas, imagens, livros, de todo o tipo de conteúdo passível de apropriação e lucro sob o modelo do copyright. Efetivar o direito autoral e impedir a cópia livre garantiriam a sustentabilidade de um setor econômico dilapidado pela ação generalizada dos piratas virtuais.
Não admira ter se constituído em 2008 uma associação formada pelas grandes empresas culturais e as sociedades de gestão dos direitos de autor (isto é, escritórios para a cobrança sistemática), a “Coalizão dos Criadores”. Nos últimos três anos, esse grupo de pressão conquistou amplo espaço na mídia espanhola, propagando um discurso que buscava apresentar uma suposta aproximação entre o “crime organizado” e o compartilhamento em redes P2P (“ponto-a-ponto”, via programas como emule outorrent), o download direto e o streaming.
Na prática, a Lei Sinde estabelece a prerrogativa de o governo requerer informações pessoais de usuários aos prestadores de serviços da internet, --- servidores e companhias de telecomunicações, --- quando da suspeita/denúncia de violação de direitos relativos à propriedade sobre o imaterial. Confere ao ministério da cultura a competência para exercer um papel por assim dizer de polícia autoral, a fim de fiscalizar e zelar pelo patrimônio de terceiros. Na prática, mediante uma comissão de especialistas, o ministério espanhol poderá “adotar as medidas necessárias para que se interrompa a prestação de um serviço que vulnere direitos da propriedade intelectual, ou para remover os conteúdos que vulnerem os citados direitos (...)”.
Mais do que uma decisão circunscrita à realidade espanhola, a entrada em vigor da Lei Sinde se integra ao marco regulatório da internet dos estados-nações da Eurozona. Com efeito, a Lei Sinde nacionaliza uma diretiva aprovada quase por unanimidade (510 a favor, 49 contrários) pelo Parlamento Europeu, em novembro de 2009[3]. De fato, o ímpeto legislativo espanhol não destoa de seus correspondentes francês[4] e britânico[5]. Nessa resolução, no âmbito do novo “Pacote das Telecomunicações” para a União Européia, autoriza-se o corte do acesso a usuários que violem os direitos autorais. Um dos pontos mais polêmicos dessa decisão-quadro européia consiste em dispensar a prévia autorização judicial para a sanção, dando celeridade ao processo administrativo e menos recursos --- ou praticamente nenhum --- ao cidadão usuário.
Outra peça importante do quebra-cabeças foi revelada pelo Wikileaks, a partir da publicação de documentos sigilosos (os cables) da diplomacia americana. Segundo a reportagem do El País[6], o governo americano de Obama pressionou o governo espanhol de Zapatero por um endurecimento na política de controle da internet e do fluxo de conteúdos protegidos pela propriedade. Em síntese, a embaixada norte-americana ameaça o governo espanhol de incluir a Espanha numa “lista negra” do comércio exterior, devido à postura negligente e condescendente com a pirataria e o uso livre da internet. E sugere que o premiê espanhol siga o exemplo de seu colega francês, Nicolas Sarkozy, adotando uma postura mais inflexível.
É sintomático que os Estados Unidos, --- abrigo dos maiores conglomerados da indústria cultural do planeta, --- acuse o governo de Zapatero de “promover uma política cultural através da internet”. Os cables desencobertos pelo Wikileaks também revelam como a embaixada americana coordenou-se em sua campanha com grandes empresas das telecomunicações, como a Telefônica, bem como mega-distribuidoras de filmes, como a Motion Pictures.
Por um lado, a promulgação da Lei Sinde reproduziu a tendência européia, quiçá mundial, de enrijecer a disciplina estatal sobre a internet e, tendencialmente, punir o compartilhamento e a circulação livre de conteúdos. Por outro, no entanto, o que sucedeu na Espanha, como resposta social à nova legislação, adquiriu um caráter inédito e singular. Imediatamente depois da aprovação da Lei Sinde, intensificou-se uma mobilização já ativa desde o anteprojeto. Tendo começado vigorosamente nas redes sociais e coletivos virtuais, o movimento não demorou a transbordar nos espaços públicos.
Em abril de 2011, ocorreram várias passeatas a favor do “Manifesto em defesa dos direitos fundamentais da internet”[7]. Redigido coletivamente, o documento discorda da política dos estados europeus em reprimir a cópia livre e controlar a internet, sustentando em contrapartida “uma verdadeira reforma do direito de propriedade intelectual orientada à sua finalidade: devolver à sociedade o conhecimento, promover o domínio público e limitar os abusos das entidades gestores [dos direitos autorais]”.
A indignação ante a Lei Sinde alimentou a insatisfação contra o governo Zapatero e, em última instância, contra o sistema político-eleitoral como um todo. Solapado de bases sociais pela incapacidade de evitar que os cidadãos pagassem a conta pela crise financeira, a revolta diante da Lei Sinde lançou ainda mais centelhas sobre o barril de pólvora da sociedade espanhola. Já antes da promulgação, desde pelo menos 2007, grupos como o Partido Pirata e a Izquierda Unida se contrapunham vigorosamente às tentativas de estados esquadrinharem policialescamente a internet e criminalizarem os seus usuários. Contudo, com a aprovação da Lei Sinde, a partir de março de 2011, praticamente todos os movimentos sociais e/ou organizações ativas de esquerda incorporaram os direitos da rede, o compartilhamento e o livre acesso à cultura via internet, como pautas centrais.
Na medida em que o trâmite legislativo reuniu esquerda e direita partidárias (PSOE e PP), ganhou força o movimento autonomista, que passou a rejeitar em bloco o sistema representativo e sua dinâmica bipartidária no país. O principal aglutinante desse clima de desencanto deu-se com o movimento #NoLesVote, que promoveu a abstenção nas eleições gerais de maio. A oposição à Lei Sinde contribuiu significativamente para engrossar o caldo político-cultural, que viria a culminar no Movimento de 15 de maio (15-M).
A multidão de indignados saiu às ruas, ocupou intensivamente as praças e reinventou modos de produzir e organizar-se numa política cidadã[8]. Clamou por democracia real já, slogan principal dos protestos, logo disseminados por centenas de cidades européias e além. Entre as propostas concretas do movimento, destaca-se: “7. Liberdades Cidadãs. Não ao controle à internet. Abolição da Lei Sinde. Proteção da liberdade de informação e do periodismo de investigação.”[9]
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No Brasil, há muitas semelhanças com o processo histórico em curso a partir da Espanha. Desde que tomou posse, em 1º de janeiro de 2011, como ministra do governo Dilma Rousseff, Ana de Hollanda tem atuado de maneira similar à sua colega espanhola, a ministra Sinde. Com Hollanda, o MinC igualmente se colocou como pivô para uma campanha política que privilegia a lógica proprietária na cultura, marcada fortemente pelo direito autoral. Sob o argumento que não há alternativa ao modelo capitalista concentrador neoliberal, seria preciso assegurar a vedação da cópia e a exploração da propriedade sobre o imaterial. Somente assim se poderia deflagrar um novo ciclo de aproveitamento das oportunidades do capitalismo pós-industrial, com consequentes geração de empregos e substituição das importações, --- ou seja, um novo ciclo de exploração do trabalho agora imaterial.
Foi sintomática, em janeiro, uma das primeiras medidas: a esconjuração por Ana de Hollanda dos sites do ministério do selo Creative Commons, --- uma licença mais aberta que o copyright tradicional, assumida como estratégica no governo anterior[10]. Demais, a ministra assumiu uma postura de desconfiança sistemática ante os programas instaurados pela gestão de seus predecessores, durante o governo Lula (2003-10).
Foram seguidamente colocadas para escanteio pelo discurso oficial, as políticas culturais baseadas no compartilhamento de conteúdos e gestão transversal em rede, sob as legendas da “Cultura Viva” e “Cultura Digital” (Pontos de Cultura, Pontos de Mídia Livre, Ação Griô, editais transversais etc). Em praticamente todas as aparições públicas, a ministra e os novos gestores enfatizaram a necessidade de assegurar os direitos autorais e a sustentabilidade. Por este último termo, referiu-se à importância de investir recursos em indústrias culturais nacionais já estabelecidas, que empregam profissionais e são capazes de autossustentar-se (apesar da contradição gritante do raciocínio), bem como de integrar novos setores criativos (gastronomia, videogame, design, decoração etc) ao paradigma da propriedade imaterial.
Em suma, a chegada da ministra Ana de Hollanda simbolizou a substituição do discurso da cultura livre e digital, --- tão arraigado nas gestões de Gilberto Gil (2003-08) e Juca Ferreira (2009-10), --- pelo da economia criativa[11], um modelo herdado do governo neoliberal de Tony Blair nos anos 1990, que organiza a atividade econômica cultural na exploração do copyright.
Enquanto, na Espanha, existe a “Coalizão dos Criadores”, aqui há o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Instaurado na época da ditadura pela Lei n.º 5.988, de 1973, essa instituição privada de gestão coletiva monopoliza a exploração da propriedade intelectual na música. Constituído por uma tropa de choque de advogados, fiscais e relações públicas[12], o ECAD tem o poder de estabelecer critérios e tabelas de cobrança, e efetivamente cobrar a exibição pública de músicas – supostamente limitando-se àquelas inscritas sob seu registro. Isto vale em espetáculos ao vivo, estabelecimentos comerciais[13], nas TV, nas rádios, no cinema[14], em peças de teatro, no youtube, em blocos de carnaval de rua, e até em festas particulares, como casamentos e aniversários.
Em 2010, o ECAD bateu o recorde de arrecadação, na casa das centenas de milhões de reais, dos quais R$ 346 milhões foram distribuídos aos autores. A sistemática para a distribuição também é decidida “soberanamente” pelo ECAD, ou seja, num processo interno sem supervisão estatal direta, onde as seis sociedades gestoras efetivas[15] repartem os ganhos. O processo de arrecadação e distribuição termina por privilegiar uma minoria de medalhões fabricados pela indústria cultural, em detrimento da cauda longa de artistas, produtores e trabalhadores da cultura, que não recebem quase nada ou precisamente nada. Como, amiúde, os estabelecimentos e shows repassam a taxa de direitos autorais aos próprios artistas, o sistema brasileiro acaba funcionando como um “bolsa família ao contrário”, concentrando renda no topo da pirâmide do show business.[16]
Assim como seu correlato na Espanha, o ECAD integra unha-e-carne a campanha contra a democratização da cultura e o compartilhamento livre na internet. Não por acaso, a reforma da Lei de Direitos Autorais (LDA) brasileira, --- a Lei n.º 9.610, de 1998, extremamente rígida e herdeira dos anos FHC, --- foi retirada da tramitação legislativa pela ministra. Alegando insuficiente consulta pública, apesar do extensivo processo presencial e online de debate e formulação[17], a atual ministra resolveu submeter novamente o projeto a uma comissão de especialistas jurídicos (mais uma vez em contradição argumentativa), a fim de rever a flexibilização dos direitos autorais[18]. Enquanto isso, designou como nova diretora de direitos autorais uma advogada notória opositora à flexibilização dos direitos autorais, ligada ao ECAD[19]. Até a presente data, a reforma encontra-se obstruída em impasse político, de qualquer modo atendendo à agenda conservadora do MinC do governo Dilma.
Se, na Espanha, a Lei Sinde adensou a mobilização das redes até o ponto de ebulição do 15-M, colocando em marcha pessoas e grupos até então alinhadas ao PSOE de Zapatero; no Brasil, também houve uma sonora resposta social, inclusive dividindo fileiras dentro das próprias bases sociais do governo. As primeiras atitudes do MinC sinalizando a nova orientação movimentaram as redes sociais e coletivos político-culturais[20]. Circularam textos e discursos, articularam-se alianças e contratendências, para opor-se à guinada política do ministério[21]. Centenas de coletivos, organizações e ativistas assinaram uma Carta Aberta à Presidenta Dilma Rousseff[22] pedindo a continuidade e retomada das agendas político-culturais do governo anterior. Na esteira dessa carta, foi lançada a rede MobilizaCultura[23], que hoje reúne insatisfeitos e concentra as ações de resistência aos rumos conservadores do governo. A pauta da cultura livre terminou por alimentar um ciclo de passeatas no primeiro semestre de 2011, especialmente a Marcha da Liberdade, organizada em mais de 40 cidades brasileiras[24]. Nesse contexto de protestos ao novo MinC, merecem ainda ser citadas as caravanas dos Pontos de Cultura à Brasília, a ocupação da FUNARTE em São Paulo, e a pressão pela instauração de uma nova CPI para investigar a falta de transparência e cartelizarão do ECAD. O que, de fato, se concretizou no Senado Federal, em junho, contando 27 assinaturas de senadores[25].
Se é possível apontar uma distinção positiva entre a Espanha e o Brasil, está no fato de o governo brasileiro, ao contrário do espanhol, não ter encampado o discurso vigilantista de criminalização dos cidadãos na internet. Por aqui, a tentativa de identificar e punir os usuários de download, streaming e compartilhamento P2P é capitaneada pela oposição. Trata-se do projeto retomado em junho deste ano pelo deputado federal Eduardo Azeredo, do PSDB[26], especialmente em virtude dos recentes ataques à sítios eletrônicos de órgãos do governo brasileiro, enfrentando massivo movimento organizado de resistência, sob o slogan Mega-Não[27].
Na mesma esteira da legislação espanhola, o projeto de lei, que ficou conhecido como “Lei Azeredo”, estabelece a obrigatoriedade dos provedores de acesso àinternet manterem um registro das informações trocadas através de seus sistemas e até mesmo de comunicar às autoridades estatais qualquer informação em seu poder que traga indícios de um possível crime, em uma clara violação à privacidade dos usuários de tais serviços, além de tornar ilegal a recente e importante prática de certos governos de se criar redes públicas de acesso sem fio (o “wi-fi”).
Além de trazer uma vigilância permanente sobre as trocas de informações pela rede mundial de computadores, a “Lei Azeredo” acrescenta diversos novos crimes ao já extenso rol de delitos previstos pela legislação penal brasileira e sem atenção as particularidades do mundo da informática. Exemplificando, a mera produção do chamado “código malicioso” é punida com pena de um a três anos de prisão, embora esta criação faça parte de pesquisa na área de segurança de sistemas examente com o intuito de prevenir ataques que de fato visem a produção de danos concretos. Destaca-se que a lesão corporal, prevista no Código Penal, traz uma pena de três meses a um ano. Ou seja, para o legislador seria mais grave criar um código que poderiam, em tese, ser utilizado para produzir danos a sistemas informacionais que lesionar a integridade física de uma pessoa.
Apesar do impulso inicial dado ao projeto em virtude dos ataques mencionados e da cultura do medo diante das potencialidades da internet, repercutida principalmente pela grande imprensa, a “Lei Azeredo” ainda não reuniu o consenso entre esquerda e direita, como sucedeu com a Lei Sinde. Em audiência pública realizada em julho na Câmara dos Deputados, parlamentares da base defenderam a necessidade de se aprovar o Marco Civil da Internet antes que se passasse uma lei criminalizando condutas praticadas através deste meio e seu projeto foi encaminhado para a Câmara em agosto do presente ano.[28].
O projeto de Marco Civil, diferentemente da “Lei Azeredo”, garante a inviolabilidade e o sigilo das comunicações via internet, apesar de deixar aberta a possibilidade para que outras leis regulem o fornecimento dos registros de conexão para autoridades estatais, como o faz a “Lei Azeredo”. Resta ver qual será o futuro deste recente debate legislativo e pressionar para que o resultado final não seja a mera incorporação dos interesses do capital transnacional na legislação nacional.
***
Mais do que um problema jurídico complexo, o que está em jogo na questão dos direitos autorais ou, mais amplamente, na propriedade sobre o imaterial, é a própria forma de organizar a sociedade e seu modo de produção de bens e valores.
De um lado, um modelo que privilegia a separação da produção social em lotes e mercadorias, com preço, devidamente quantificadas pelo dinheiro, exploradas oligopólica e sistematicamente por grandes conglomerados e empresas. É o discurso “cultura & mercado”, pra quem a economia da cultura constitui um “setor” e seus trabalhadores uma “classe”, encabeçados pela superior “classe artística”. Estratégia que induz a escassez para vender a monocultura.
Esse discurso amolda-se a uma nova matriz do capitalismo global, --- concomitante às matrizes industrial e agrário-feudal, ainda incidentes --- baseado na exploração do trabalho imaterial e na captura da produtividade difusa, imanente às redes sociais (online ou não) e à colaboração transversal.
Trata-se da reedição de uma forma jurídica desenvolvida na baixa idade média, a propriedade privada, sob nova roupagem e nova direção. Mutatis mutandis, assim como o estado e o direito estatal foram os principais catalisadores para a cultura proprietária, primeiro europeia, depois planetária --- quer na sua salvaguarda quase sagrada, quer na exploração do trabalho combinado social --- atualmente, a propriedade sobre o imaterial passa pelo mesmo processo de formalização jurídica e repressão estatal.
Isso porque, conforme Marx[29], a conversão do dinheiro em capital e a extração de mais-valor pressupõem a concentração quantitativa de meios, recursos e força de trabalho, nas mãos de quem comanda o processo de produção, bem como a construção de um aparato político-jurídico que sustente o conjunto. Para tanto, é necessário que, em dado momento, essa convergência de capital e força de trabalho nas mãos de poucos capitalistas aconteça. É o que Marx chama de “acumulação primitiva”: a separação do trabalhador das condições materiais para produzir. O filósofo procura demonstrar que não foi uma transição pacífica, mas um desapossamento sistemático. Isto induziu uma situação de precariedade, onde a população vadia se via constrangida a vender-se a si próprio, --- a sua capacidade produtiva, --- como mercadoria, ou seja, ingressar na relação social entre o capital que comanda e o trabalho subordinado. Bem ao contrário, os trabalhadores que se libertaram da servidão e da coerção corporativa tornaram-se comerciantes de si mesmos: “depois que lhes roubaram todos os seus meios de produção e os privaram de todas as garantias que as velhas instituições feudais asseguravam à sua existência”[30], num violento processo expropriatório.
Pode-se perceber, então, que a acumulação primitiva tem lugar no momento de transformação da exploração feudal em exploração capitalista e se desdobra em diversos processos sociais opressivos e desiguais: “deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários destituídas de direitos.”[31] Neste momento, surge o pauperismo como conseqüência do processo de acumulação primitiva e de expropriação violenta do lavrador. A enxurrada de pobres nas cidades se tornou um grave problema social, diretamete decorrente da divisão social do trabalho introjetada pelo regime capitalista de acumulação.
Em síntese, a classe dominante emergente forja os meios necessários para coagir a fração majoritária a uma situação de inferioridade estratégica, onde as relações de poder mediadas pelo estado passam a exercer o papel de controle social.[32] Atualmente, do mesmo modo que o direito foi posto pra consolidar gigantescas propriedades agrárias ou industriais, --- latifúndios ou cartéis fabris internacionais, --- agora se tenta instaurar uma nova Lex mercatoria, de dimensões civis e penais, capaz de assegurar o funcionamento do capitalismo contemporâneo, sua divisão excludente do trabalho e seu regime desigual de acumulação de bens e riquezas.
Como defendia o jurista da revolução russa, Eugênio Pashukanis, não adianta simplesmente ocupar as instâncias estatais para conferir-lhes um sentido libertador. Faz-se necessário desarticular as próprias estratégias de mercantilização e privatização, intrínsecas ao direito vigente, que precisam das categorias, formas e institutos estatais. Neste sentido, imprescindível restar claro que a disputa não é pelo conteúdo das leis que regularão a propriedade imaterial; ao contrário, a luta é pelo questionamento do próprio tratamento legislativo-jurídica da propriedade imaterial, em nome de sua proteção e lucratividade. Afinal, a crítica deve recair especialmente naforma (no sentido dialético emprestado por Marx, como momento qualificado do processo dinâmico de contradições internas) da regulação legal, para além dos conteúdos das leis.
Nesse sentido, a importância de investir no outro lado desse jogo antagonístico. Se o movimento dos indignados 15-M ensina algo, é como começar a constituir uma democracia fora dos critérios e parâmetros viciados da representação moderna, asfixiada, --- pelo menos certamente na Europa, --- entre uma direita fascistizante e uma esquerda desenvolvimentista. Uma resposta estaria em apostar no menos pior entre os mundos da representação. Outra, mais radical, mais pashukaniana, pode ser considerar as duas piores, e apostar noutro modo de produzir e viver a liberdade.
É aí que o outro mundo surge como inovação radical, onde se resiste produzindo o comum das relações, compartilhando, remixando, reconstruindo as narrativas sociais e políticas. Uma outra modernidade, onde a cultura não é um setor, um mundinho, e o artista não é um profissional, uma “categoria”; mas sim onde a cultura qualifica o mundo, e onde todos somos criadores-produtores de todas as categorias sociais. A cultura é mesmo transversal a todos os processos sociais e não há dinheiro capaz de quantificá-la na sua qualidade irredutível, no seu excesso social sempre em transbordamento das mercadorias e propriedades.
Por isso, outro ensinamento do 15-M está em mostrar como a forma comum de organizar e produzir, própria das redes colaborativas da cultura, tem aplicação imediata no movimento social. Pode-se vislumbrar, nesse sentido, a articulação das marchas da liberdade de 2011, tão afinadas com as lutas LGBT, feministas e pela legalização das drogas, com movimentos sociais mais “duros“, como da moradia, do trabalho informal, das cotas raciais/sociais na educação pública.
Em conclusão, é certo que não é mais possível, hoje, acatar passivamente um discurso insultante que adjetiva milhões de internautas como criminosos. Por terem a audácia de compartilhar livremente o saber socialmente produzido, por nutrirem a utopia de viver num mundo em que não se precise de mediações entre os valores e os produtores de valores. Como se fossem apenas obscuros coletivos hackers ou oportunistas piratas a fazer download de músicas e filmes, xerocar livros e recombinar incessantemente todo o tipo de conteúdo cultural. E não a própria sociedade, que constituiu nas redes um movimento social irrefreável e irreversível, com autonomia global, organizado sem centro, sem bandeira, sem discurso unificado, mas nem por isso menos potente ou efetivo.
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2011.
GRUPO DIREITO DO COMUM.
REFERÊNCIAS:
(somente as não citadas nas notas de rodapé)
BOUTANG, Yann Moulier. Capitalisme cognitif. La nouvelle grande transformation. 1a ed. Paris: 2008, ed. Multitudes.
COCCO, Giuseppe. A crise do MinC no governo Dilma: levar a sério a questão do valor. 2011, artigo in Revista Global Brasil n.º 14
http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676
CRIBARI, Isabella (org.). Produção cultural e propriedade intelectual. 1a ed. PE: 2005, Massangana (Fundação Joaquim Nabuco).
LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial. 1a ed. RJ: 2001, DP&A.
MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858: Esboços da crítica da economia política. Trad.: Mario Duayer (supervisão editorial e apresentação), Nélio Schneider, Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman, 1a ed., SP: 2011, Boitempo.
ORTELLADO, Pablo. Capitalismo e cultura livre. 2011, artigo in blog pessoal: (http://www.gpopai.org/ortellado/2011/06/capitalismo-e- cultura-livre/)
PASHUKANIS, Eugênio. Teoria geral do direito e marxismo. SP: 1989, Renovar.
[1] A Lei Sinde pode ser consultada na íntegra em http://boe.es/boe/dias/2011/03/05/pdfs/BOE-A-2011-4117.pdf (p. 190 e ss.)
[2] Para a concepção social e socializante de cultura, professada pelo presente texto, remetemos aos artigos de Idelber Avelar, na Revista Fórum (http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/07/04/sobre-o-conceito-de-cultura/) e Rodrigo Guéron, na Revista Global Brasil (http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=756)
[3] Conforme reportagem do El País: http://www.elpais.com/articulo/tecnologia/Parlamento/Europeo/aprueba/unanimidad/directiva/acceso/Internet/elpeputec/20091124elpeputec_5/Tes
[4] http://www.lavanguardia.com/internet-y-tecnologia/noticias/20090512/53701782923/francia-aprueba-la-ley-para-cortar-internet-a-quienes-realicen-descargas-ilegales.html
[5]http://www.elpais.com/articulo/internet/Reino/Unido/estudia/aplicar/canon/conexiones/banda/ancha/elpeputec/20090129elpepunet_6/Tes
[6]http://www.elpais.com/articulo/espana/EE/UU/ejecuto/plan/conseguir/ley/antidescargas/elpepuesp/20101203elpepunac_52/Tes
[7] http://www.rtve.es/contenidos/documentos/derechos-fundamentales-internet.pdf
[8] Sobre as formas de organização e decisão internas às ocupações, vale a leitura do artigo do filósofo italiano autonomista Antônio Negri, quando de sua vivência pessoal dos acontecimentos, disponível em versão traduzida no portal Outras Palavras:http://www.outraspalavras.net/2011/06/08/15m-redes-e-assembleias-por-antonio-negri/
[9] O “Documento Transversal” com as propostas completas do Democracia Real Ya!em http://www.democraciarealya.es/documento-transversal/
[10] Sobre o assunto, contestando a concepção que o Creative Commons atrapalha o interesse da cultura nacional, o artigo de Pablo Ortellado em seu blog:http://www.gpopai.org/ortellado/2011/02/os-nacionalistas-da-cultura-%e2%80%9ccreative-commons-e-entreguismo%e2%80%9d/
[11] A diferença de paradigma entre o MinC dos governos Lula e Dilma é o tema de dois artigos aqui sugeridos, que contrapõem economia criativa e cultura livre/economia social da cultura: http://www.gpopai.org/orthttp://www.mobilizacultura.org/2011/05/13/de-que-ana-de-hollanda-tem-medo/ellado/2011/04/a-economia-criativa-e-a-economia-social-da-cultura/ (por Pablo Ortellado) e http://www.mobilizacultura.org/2011/05/13/de-que-ana-de-hollanda-tem-medo/ (por Bruno Cava). Também recomendamos o artigo de Bárbara Szaniecki e Gerardo Silva ao Portal Outras Palavras, sobre a aplicação do modelo da economia criativa da cultura, no Rio de Janeiro: http://www.outraspalavras.net/2010/09/28/rio-dois-projetos-para-uma-metropole-conhecimento/
[12] A “taxa de administração” consome uma fatia próxima dos 30% do total arrecadado em todo o Brasil, uma proporção que vem crescendo ao longo dos anos.
[13] Inclusive as músicas ambientais, as “musiquinhas” que tocam em consultórios, academias, hotéis, mercados etc.
[14] À taxa de 2,5% sobre todos os ingressos vendidos em território nacional, como informam os próprios bilhetes.
[15] Das quais duas mantêm maioria absoluta, mais de 60% da participação e poder decisório: a União Brasileira de Compositores (UBC) e a ABRAMUS (Associação Brasileira de Música e Artes), que, por sua vez, sofrem influência, senão ingerência direta, de seus grandes clientes, os Big Four da indústria cultural americana: Sony, Warner, EMI e Universal (onde cai por terra qualquer associação do ECAD e da atual LDA aos “interesses da cultura brasileira“). Boa síntese do quem é quem no ECAD no blog de Flávio Loureiro: http://blogdoflavioloureiro.blogspot.com/2011/02/quem-e-quem-no-ecad.html
[16] Sobre a “cartelização” do ECAD, artigo da Revista Carta Capital de agosto de 2011: http://www.cartacapital.com.br/politica/ministerio-da-justica-aponta-atuacao-cartelizada-do-ecad
[17] Consultar, por exemplo, http://www.gpopai.usp.br/cm/
[18] Vale remetermos a ainda outro texto de Pablo Ortellado, em crítica à reapreciação do projeto, sob novas regras, pelo MinC: http://www.gpopai.org/ortellado/2011/04/revisao-da-revisao-governo-de-continuidade/
[19] http://www.movimentoculturabrasil.com.br/blog/?p=3853
[20] Bom resumo dos primeiros embates entre as posições políticas foi compilado por Rodrigo Savazoni, em http://www.trezentos.blog.br/?p=5580
[21] Bastante sintomático da oposição “interna” aos retrocessos do MinC do governo Dilma foi o artigo a quatro mãos, pela deputada federal Manuela D´Ávila (PCdoB/RS) e Francisco Solaña, do Gabinete Digital do governo gaúcho de Tarso Genro (PT):http://www.trezentos.blog.br/?p=5707
[22] http://www.mobilizacultura.org/site-em-construcao-2/carta-a-excelentissima-presidenta-dilma-roussef/
[23] http://www.mobilizacultura.org/
[24] http://www.marchadaliberdade.org/
[25] http://www.mobilizacultura.org/2011/05/11/conheca-os-27-senadores-que-assinaram-pela-abertuda-da-cpi-do-ecad/
[26] http://www.cartacapital.com.br/politica/o-ai-5-digital
[27] http://meganao.wordpress.com/
[28] Texto completo do projeto de lei em http://www.gpopai.org/ortellado/wp-content/uploads/2011/08/marco_civil.pdf Para uma discussão crítica preliminar do tema, sugerimos outro texto de Pablo Ortellado, em seu blog: http://www.gpopai.org/ortellado/2011/08/rapido-comentario-sobre-a-versao-final-do-marco-civil-da-internet/
[29] Marx. O Capital (Rio de Janeiro, 2009), p. 827-830.
[30] Ibid. p. 829
[31] Ibid, p. 830.
[32] Quinney. Critique of Legal Order (Londres, 2002), p. 98.
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