terça-feira, 27 de setembro de 2011

Estado e Serviços Públicos: OSs, estatismo e corporativismo Por Vladimir Palmeira e Diogo Coelho

O projeto do governador Cabral, de criação de OSs para a saúde, despertou bastante oposição. Além dos estatizantes de sempre, alguns recém-chegados à extrema-esquerda. Um apoiador da deputada Benedita da Silva, conhecida por sua moderação, afirmou pela internet:
A privatização da saúde pública começou com o governo neoliberal de FHC. Seu objetivo era o “estado mínimo” e a consequente privatização dos serviços públicos da saúde, da educação e de outros setores. A forma da privatização era a das OSs (e Oscips), usadas como fachadas de interesses privados. Desde a sua implantação até hoje, acumulam-se denúncias contra as atividades dessas “organizações sociais” tais como: desvios de recursos públicos, precarização do trabalho, baixa qualidade do atendimento, superfaturamento e irregularidades de todos os tipos, inclusive a de reservar leitos do SUS para os planos privados de saúde. Tais denúncias ocorrem em todo o país e também nas OSs implantadas pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes. O PT sempre combateu frontalmente essa política neoliberal, afirmando que nem a saúde pública nem a educação pública podem depender da margem de lucro.
Radicalização de ocasião, corporativismo entranhado. O curioso é que todas as acusações parecem ser aquelas feitas ao próprio serviço estatal. Nossos trabalhadores diriam exatamente isto do serviço que lhes é oferecido hoje. Não precisaram de OSs para encarar estes problemas.
O recém-radical equivoca-se também ao falar de privatização. Não se trata, no caso, de nenhuma privatização. Mas de contratos de gestão feitos com entidades sem fins lucrativos.
Também se engana o radical recente quando diz que o PT sempre combateu esta política. O PT da capital do Rio de Janeiro já votou a favor das OSs. Inúmeras administrações petistas já usam as OSs. Tudo isto ocorreu sem que tenha havido tanta grita por parte destes setores do PT.
Na verdade, a luta contra as OSs traz a marca do corporativismo. O velho Marx dizia, na Guerra Civil na França, tratando da Comuna de Paris:
A Comuna fez uma realidade dessa deixa das revoluções burguesas - governo barato - destruindo as duas maiores fontes de despesa: o exército permanente e o funcionalismo de Estado.
Portanto, a defesa de um Estado menos custoso não é meramente a queixa da burguesia: foi executada pelos trabalhadores. Some-se a isto a necessidade de qualidade de serviço para a população. Marx sempre pensou primeiro, não nos funcionários, mas no povo.
Os inimigos da OSs agem como se o serviço estatal fosse uma beleza. Não é: é mal feito e não satisfaz a população. O pobre é tratado como gado. Os funcionários frequentemente não trabalham, médicos não cobrem plantões. Por outro lado, a remuneração é inadequada.
O Estado busca novas formas de ação. As OSs são uma delas, pode haver variantes. São uma forma de propriedade pública não-estatal. Com elas, o Estado faz um contrato de gestão, onde se definem objetivos da administração e se garante a fiscalização do Estado.
Já em 1998, na gestão FHC, a formulação das OSs e suas vantagens estavam bem claras.
Na condição de entidades de direito privado, as Organizações Sociais tenderão a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no setor privado, o que deverá representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu orçamento.
O modelo institucional das Organizações Sociais apresenta vantagens claras sobre outras formas de organizações estatais atualmente responsáveis pela execução de atividades não-exclusivas.
Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e finanças, compras e contratos na Administração Pública. Com isso, há um significativo ganho de agilidade e qualidade na seleção, contratação, manutenção e desligamento de funcionários, que, enquanto celetistas, estão sujeitos a plano de cargos e salários e regulamento próprio de cada Organização Social, ao passo que as organizações estatais estão sujeitas às normas do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos, a concurso público, ao SIAPE e à tabela salarial do setor público.
Verifica-se também nas Organizações Sociais um expressivo ganho de agilidade e qualidade nas aquisições de bens e serviços, uma vez que seu regulamento de compras e contratos não se sujeita ao disposto na Lei nº 8.666 e ao SIASG. Esse ganho de agilidade reflete-se, sobretudo, na conservação do patrimônio público cedido à Organização Social ou patrimônio porventura adquirido com recursos próprios.
Do ponto de vista da gestão orçamentária e financeira as vantagens do modelo organizações sociais são significativas: os recursos consignados no Orçamento Geral da União para execução do contrato de gestão com as Organizações Sociais constituem receita própria da Organização Social, cuja alocação e execução não se sujeitam aos ditames da execução orçamentária, financeira e contábil governamentais operados no âmbito do SIAFI e sua legislação pertinente; sujeitam-se a regulamento e processos próprios.
No que se refere à gestão organizacional em geral, a vantagem evidente do modelo Organizações Sociais é o estabelecimento de mecanismos de controle finalísticos, ao invés de meramente processualísticos, como no caso da Administração Pública. A avaliação da gestão de uma Organização Social dar-se-á mediante a avaliação do cumprimento das metas estabelecidas no contrato de gestão, ao passo que nas entidades estatais o que predomina é o controle dos meios, sujeitos a auditorias e inspeções das CISETs e do TCU.

O serviço não deixa de ser público, por isto não cabe aqui falar de privatização. O Estado tem amplos mecanismos para fiscalizar, simplesmente não administra diretamente.
Como bem nos lembra publicação do IPEA do ano de 2010:
o caráter público do SUS se refere ao modus operandi do sistema como um todo, pressupondo o exercício adequado da autoridade de direção única na esfera competente. Portanto, a “pureza pública” do sistema não depende do fato de as unidades assistenciais pertencerem à administração pública, direta ou indireta.

Vale ressaltar, ainda, que o próprio projeto de lei votado na ALERJ estabelece, entre as obrigações dos futuros contratos de gestão, o atendimento exclusivo aos usuários do SUS. Além disso, a bancada do PT apresentou emenda no sentido de reforçar essa direção, impedindo expressamente a prática de “dupla porta” recentemente aprovada em São Paulo.
Como afirma o ex-ministro de Lula, José Temporão, as pesquisas apontam, tanto no Brasil como internacionalmente, que a gestão hospitalar exige modelos mais autônomos de gestão dada a complexidade dos seus processos de trabalho, sempre a demandar respostas ágeis e de qualidade com a finalidade de garantir a vida de seus pacientes, além de custos adequados. A administração direta ou autárquica não se ajusta mais às exigências contemporâneas da gestão hospitalar.
Em seu estudo vencedor do Prêmio do Tesouro Nacional 2009 de Qualidade do Gasto Público, Tarjano Quinhões – doutor em administração pública pela FGV e especialista em políticas públicas do Ministério do Planejamento – fez uma comparação entre hospitais paulistas de portes similares administrados diretamente pelo estado e aqueles administrados pelas organizações sociais, ainda antes da implementação do sistema de “dupla porta”. De acordo com Quinhões:
Com base nos dados coletados a respeito da prestação de serviços hospitalares pelos dois grupos de hospitais em 2006 e 2007, é possível inferir que os hospitais OSs foram mais eficientes do que os da administração direta, efetuando mais atendimentos de internação e ambulatoriais por leito e por consultório disponível. Isso pode ser constatado pelo fato de que cada leito dos hospitais OSs proporcionou, em média, 20% mais altas hospitalares, sendo essa diferença muito maior para os leitos cirúrgicos, com 60,5% mais altas para cada leito. A taxa de ocupação hospitalar foi 21,4% superior, e o intervalo de substituição de leito – que nesses hospitais foi inferior a um dia para substituir um paciente internado – na administração direta foi de quase dois dias (1,979 dias), ou seja, 2,72 vezes mais tempo. Os hospitais OSs também produziram mais serviços por pessoal disponível. Foram realizadas 10% mais internações por médico; foram utilizados 9% mais médicos por leito operacional e 1,6% menos funcionários por leito. Os melhores indicadores de eficiência não foram obtidos à custa de uma piora na qualidade do atendimento. Apesar de os hospitais OSs terem uma clientela um pouco mais velha e consequentemente haver um indicativo de atendimentos que requerem maior complexidade de atenção, a taxa de mortalidade geral foi quase idêntica à verificada nos hospitais da administração direta e até inferior (1%). (...) O gasto médio por internação teve um comportamento 1,7% menor do que o verificado nos hospitais da administração direta.
Novamente citando a publicação do IPEA, os motivos da baixa efetividade dos hospitais geridos diretamente pela administração pública podem ser desdobrados da seguinte maneira:
i) reduzida autonomia técnico-administrativa [e na gestão de pessoal] devido às normas e aos procedimentos que são típicos da administração direta; ii) limitações criadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), especialmente quanto à admissão e à expansão dos recursos humanos; iii) falta de agilidade nos processos licitatórios para a aquisição de equipamentos e insumos de necessidade urgente; e iv) dificuldades de incorporação de pessoal mais qualificado e de certas especialidades, inclusive porque algumas destas especialidades, a exemplo dos anestesistas e oftalmologistas, recusam-se a prestar concurso público, e quando prestam não assumem as vagas disponíveis.
Sobre esse último ponto, cabe ressaltar que as OSs têm facilidade para promover a contratação terceirizada de entidades civis e, ainda, a contratação ad hoc de profissionais qualificados.
Usando as OSs, o Estado tem mais condições de melhorar seu próprio serviço. Como? A lei de responsabilidade fiscal e os gastos com o regime previdenciário próprio inibem aumento de salários de servidores. Com as OSs, abre-se um mercado de trabalho para trabalhadores da saúde, e o Estado pode ter folga para melhorar os salários de seus próprios funcionários, exigindo, em contrapartida, um serviço melhor.
O estado ganha também maior capacidade de investimento. Não é à toa que o governo federal, sob a liderança de Lula, tentou formas alternativas para o serviço de saúde. Enquanto nossos corporativistas gritam contra as OSs, o Estado brasileiro é um dos que menos investe no mundo.
Por tudo isso, posicionamo-nos favoravelmente às OSs. Elas não são uma questão só do governo Cabral. Não se trata de subalternidade ao governador. As OSs, independentemente do governo de ocasião, são uma necessidade da gestão pública.


Referências Bibliográficas:

Marx, A Guerra Civil na França.

Cadernos MARE da Reforma do Estado, Caderno 2. Brasília, 1998.

IPEA. Estado, Instituições e Democracia. Livro 9, vol. I. Brasília, 2010.

QUINHÕES, T. A. T. O modelo de governança das organizações sociais de saúde (OSS) e a qualidade do gasto público hospitalar corrente. XIV Prêmio Tesouro Nacional, 2009, 1o Lugar. Disponível em:

Adv.André Barros