quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

GABEIRA, O TIO JOAQUIM, E A MACONHA

Acabei de ler mais um livro sensacional de Fernando Gabeira: “Onde está tudo aquilo agora? Minha vida na política”. Viajando pela história do Brasil, em tranquila e agradável leitura, o grande jornalista conta seu importante papel na vida política do país. Foi casado com a irmã de minha mãe e assim se referiu a ela à fl. 107: “Foi um dádiva em minha vida encontrar alguém tão inteligente como Vera Sílvia”. Tia Verinha foi uma das mais importantes guerrilheiras da luta armada contra a ditadura militar golpista de 1964. Por conta disso, fez de mim o guerrilheiro mais novo da história. Quando eu tinha apenas 3 anos de idade, a primeira abordagem para a realização do sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick, em 1969, foi comigo. Sem que meus pais soubessem, fingindo ser minha babá, tia Verinha me levou como "fachada" para a porta da casa do embaixador. Assim, ajudei a compor seu disfarce com que obteve do segurança as informações para a ação política mais ousada contra a ditadura militar brasileira-americana: o sequestro do embaixador norte-americano. Por meio dele, conseguiram libertar alguns líderes políticos, presos nos torturantes porões da ditadura. Em 1972, com seis anos, viajei para Berlim, Alemanha, com minhas avó e tia-avó, a fim de encontrar meus pais e tia Verinha, banida do país. Ao chegar, fui apresentado a seu companheiro, tio Joaquim, e também "reapresentado" à minha própria tia, com seu nome clandestino, Elisa. Como não acreditei e resisti a chamá-la pelo nome falso, logo fui treinado: quando não estivesse diante de pessoas estranhas, poderia chamá-la de tia Verinha, mas quando havia um desconhecido por perto, ela era a tia Elisa e nunca errei. Tio Joaquim, porém, assinava as cartas e postais que me enviava com seu nome clandestino. Só fiquei sabendo que seu nome era Fernando em 1979, na ocasião de sua chegada triunfal de volta ao Rio, no aeroporto internacional do Galeão (hoje Tom Jobim, artista também mencionado no livro, quando fala dos anos 1960). Havia faixas, muitas pessoas, e sua alegria conseguiu fazer mais barulho que o time do Flamengo acompanhado de sua charanga, que também chegava depois da conquista de um título no exterior. Então meu tio era o Fernando Gabeira... Mesmo assim, até hoje o chamo pelo nome clandestino, por isso, tive a honra de ter o livro assim autografado: do tio Joaquim! Quando chegou, Gabeira foi morar em nosso apartamento, no Leme. Nessa época, ele ia à praia de Ipanema de bicicleta, para curtir o verão e o fim do longo exílio. Vestindo sua célebre "tanga" de crochê, tirava maior onda com as mentes conservadoras e defendia abertamente a legalização da maconha. Sua linda namorada não usava calcinha. Aos 13 anos de idade, era alvo de brincadeiras da galera do Leme: "olha lá o tio do André!", mas levava na boa, era coisa de moleque! Com grande orgulho, vivi aqueles momentos libertários com o tio Joaquim. Depois que ele se mudou de minha casa, voltei a ter contato com ele em 1986. Vladimir Palmeira defendia uma aliança do PT com os Verdes e o lançamento da candidatura de Fernando Gabeira para Governador do Rio de Janeiro. Na Convenção da 5ª Zona do Partido dos Trabalhadores, quando discursei em defesa da candidatura de Gabeira, um velho companheiro de uma corrente ligada ao PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), dirigindo-se a mim, afirmou o seguinte: “companheiros que defendem para representante dos trabalhadores uma bicha e um maconheiro, devem ter suas cabeças cortadas”. Ninguém cortou a cabeça de ninguém, ganhamos a convenção e lançamos Fernando Gabeira candidato numa aliança Vermelho/Verde. A campanha ganhava força e, como conta Gabeira, à fl.130 de seu livro, a maconha foi um elemento que prejudicou, em parte, seu crescimento. Embora isto não seja sequer da alçada de um governador, o Jornal do Brasil chegou a publicar em sua manchete que Gabeira legalizaria a maconha. Perdemos a eleição, mas foi uma campanha vitoriosa por ter enfrentado mitos e preconceitos. Saíamos à rua com a borboleta do Gabeira, que simbolizava o 13 do jogo do bicho - a borboleta - e do PT, e ouvíamos frequentemente um grito agressivo e preconceituoso: “Quem fuma, senta e cheira, vota no Gabeira”. Anos depois, quando fui morar em Brasília, em 96, e procurava apartamento, pedi ao tio Joaquim para ficar um final de semana em seu quarto no hotel Bonaparte. Estava assistindo ao Jornal Nacional na cama com minha companheira Marta, quando veio a seguinte notícia: “apreendidos no aeroporto de Brasília alguns quilos de semente de maconha destinados ao deputado federal Fernando Gabeira”. Pulei da cama pensando que seria preso no quarto do deputado. Liguei imediatamente e o tio Joaquim respondeu, tranquilão: “que nada, André, essas sementes são para fazer sapatos e já está tudo esclarecido.” Mas Gabeira foi processado e, felizmente, absolvido pelo Supremo Tribunal Federal pela importação de sementes de maconha. Gabeira é um dos políticos mais importantes da História do Brasil, que ainda tem muito a contribuir com as conquistas sociais e libertárias na defesa do planeta. ANDRÉ BARROS, advogado da Marcha da Maconha Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 2012 --

Adv.André Barros